Risco de derrota de Trump é bom para mundo, EUA e Brasil, mas péssimo para Bolsonaro
A possibilidade de derrota de Donald Trump nas eleições de hoje nos Estados Unidos é uma excelente notícia para o mundo, para os Estados Unidos, para os costumes e talvez para o Brasil, mas traz um gosto amargo para o presidente Jair Bolsonaro. Boa para o mundo, ruim para Bolsonaro, seu governo e sua ideologia enviesada.
Os eleitores norte-americanos não estão decidindo entre o republicano Trump e o democrata Joe Biden, mas, sim, fazendo um plebiscito, a favor ou contra Trump, estivesse quem estivesse do outro lado. Casou de ser Biden, com uma vice poderosa, Kamala Harris, mulher, negra, filha de imigrantes e defensora ardorosa dos princípios que dão sustentação à democracia americana: direitos humanos, igualdade, justiça.
Trump usou o “America First” para escamotear o “só America, dane-se o resto” e bombardear o multilateralismo, a começar da ONU, da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), em plena pandemia. Se confirmado presidente, Biden retornará ao Acordo de Paris e a todas elas. Para alívio geral, menos para regimes populistas de extrema direita, como os da Hungria, Polônia e Brasil, que ficarão isolados.
Nos EUA, a tendência pró Biden traz, de imediato, a expectativa de alguma racionalidade no combate à pandemia e o retorno a princípios de humanidade e de direitos humanos, tão caro às democracias. Na direção oposta de Trump, Biden e Kamala Harris tendem a manifestar crítica à forte cultura racista das polícias e apoio aos cidadãos negros assassinados cruelmente. Não é pouco.
Um mandato democrata deve tratar a covid-19 como ela deveria ter sido tratada desde o início: não como gripezinha, mas como uma pandemia gravíssima, que contamina, mata, destrói a economia, os empregos e o equilíbrio internacional. E, com certeza, não se imaginem Biden e Kamala Harris fazendo propaganda da cloroquina.
Para o Brasil, é bem-vinda a derrota de um mentiroso contumaz, que manipula seus satélites contra a China e dá de ombros às pautas da sustentabilidade e dos direitos humanos. Isso, porém, não significa que Biden e Kamala Harris serão mais camaradas em negociações bilaterais, relações comerciais, acordos de defesa. Democratas e republicanos, diferentemente de Bolsonaro, têm algo em comum: a prioridade número 1, 2, 3 e mil da política externa é o interesse nacional.
Bolsonaro, seus ministros e o chanceler Ernesto Araújo admitiram cotas de aço e etanol favoráveis aos EUA, sem nenhuma contrapartida para o Brasil, e é improvável que, dê Biden ou Trump, isso vá ser revertido. O que pode mudar é que Trump fechava os olhos para meio ambiente, mas Biden vai endurecer o jogo. Ele prometeu US$ 20 bilhões para a proteção da Amazônia (considerados um exagero), mas acenando com sanções econômicas caso não haja mudança e ação.
Para os excessivamente pragmáticos, uma eventual vitória de Biden pode prejudicar os negócios do Brasil, mas a ótica deve ser outra: é alvissareiro que a maior potência se alie à Europa e às maiores democracias ocidentais em favor de meio ambiente, direitos humanos e democracia no Brasil. Mais do que questões financeiras imediatas, trata-se de princípios, justiça, futuro, avanços civilizatórios.
Quanto a Bolsonaro: depois de trombar com França, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, mundo árabe e, particularmente, a China, principal parceiro comercial do Brasil, só falta se isolar dos EUA e ficar falando sozinho nos foros internacionais. Se a subserviência a Trump é irritante, o que dizer de afundar com Hungria e Polônia, sob inspiração de Steve Bannon, Olavo de Carvalho e outros ícones do atraso? A eleição de hoje é um divisor de águas para o mundo, os EUA e o Brasil de Bolsonaro.