Guerra assimétrica: um lado tem as leis e a Constituição, o outro tem armas
A nota conjunta do presidente Bolsonaro, do vice Mourão e do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, é uma clara ameaça e está em sintonia com o secretário de Governo da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, que disse à revista Veja que é “ultrajante” falar em golpe militar, para em seguida ressalvar: “Mas não estica a corda”. A frase ficou no ar. Faltou completar: senão…
O que significa “não esticar a corda”? Enquanto a resposta não é clara, soa como advertência a um menino levado, desobediente: “Ou você se comporta, ou vai ficar de castigo, levar uma palmada”. O que nos remete às ameaças de “ruptura” e de AI-5, já alardeados por ninguém menos que o filho do presidente da República, que orna a parede da sala de jantar com a imagem de uma metralhadora.
Nos remete também às “consequências imprevisíveis” citadas pelo general Augusto Heleno contra uma decisão do STF e encampadas pelo general Fernando – que é o primeiro militar a ocupar o Ministério da Defesa e desfilou num helicóptero com Bolsonaro para saudar manifestações contra o Supremo e o Congresso. Outros militares de alta patente prestigiaram atos assim, como o próprio Ramos, que é da ativa. Do alto da rampa do Planalto, mas ele estava lá.
Quanto à nota, Bolsonaro e os dois militares dizem que as Forças Armadas estão sob autoridade suprema do presidente e não cumprem “ordens absurdas, como a tomada de poder”. E ressaltam: “Também não aceitam a tomada de poder por outro poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”. Novamente, faltou: senão…
É preciso especificar, ou decifrar, o que significa dizer que as FA “não aceitam” isso ou aquilo. No caso, a tomada do poder pelo Executivo (um auto-golpe) ou por um “outro poder”. E vem o dedo em riste: um outro poder que possa fazer “julgamentos políticos”. Vale para o Judiciário, citado literalmente, já que responsável por julgamentos. E vale para o Congresso, que faz julgamentos legal e legitimamente políticos, como o que sofreu Dilma Rousseff.
Em resumo, portanto, temos que o presidente, o vice e o ministro da Defesa anunciam ao País que não aceitam julgamentos do STF, do TSE e do Congresso. Não por que eventualmente contrariem a Constituição e as leis, mas os que ameacem suas posições e interesses. E isso é álcool na fogueira de manifestações antidemocráticas.
É uma situação delicada, a ser tratada com maturidade institucional e firme consciência democrática, num momento em que o Supremo investiga a acusação do ex-ministro Sérgio Moro de intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal, o TSE analisa oito ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão, STF e CPMI acumulam dados sobre fake news que podem chegar ao Planalto e, na presidência da Câmara, pousam 30 pedidos de impeachment de Bolsonaro.
Com trocas de informação, pedidos de vista daqui e dali e declarações variadas contra impeachment, as instituições se autodefendem das ameaças de “ruptura” e acumulam arsenal. O TSE deu sinal verde para embolar as investigações sobre fake news num mesmo processo: no TSE, denúncias de uma máquina de robôs para disparar mentiras na campanha de 2018; no STF, a rede de ataques contra ministros, suas famílias e a própria instituição.
Quem ameaçou primeiro, porém, tem armas, arsenal literalmente mais letal. E é aí que essa guerra se torna assimétrica e nos arrepia. De um lado, a democracia, com apoios e uma resistência difusa, mas atuante, na sociedade civil. Do outro, as armas – e não só das FA. Onde Bolsonaro quer chegar? Até onde as nossas Forças Armadas se sujeitam a ir? E qual a força da munição do Supremo, do Congresso e do TSE para resistir?