Macri e PIB ameaçam a crença de que há dois governos: um do Bolsonaro, outro da economia
A crença, certeza ou argumento de que a economia salva o governo Jair Bolsonarorecebeu duas pancadas doídas. Uma, de fora: a derrota do liberal Maurício Macri para o kirchnerismo nas prévias da Argentina. Outra, doméstica: o risco de nova recessão.
Macri é aliado fundamental para consolidar tanto a debacle do chavismo na América do Sul quanto o acordo do Mercosul com a União Europeia, tão festejado, mas tão ameaçado. Mas é improvável que ele consiga tirar 15 pontos de diferença para a chapa populista de Alberto Fernández e Cristina Kirchner até outubro. Sem Macri na Argentina e com Mario Abdo Benitez em risco no Paraguai, o acordo evapora. Para piorar, Bolsonaro apostou todas as fichas na chapa errada do país vizinho.
E o que dizer da prévia do Banco Central para o PIB do segundo trimestre no Brasil? Desde a eleição de Bolsonaro, a previsão de crescimento vem minguando. Agora, 0,2% de queda no primeiro trimestre e 0,13% no segundo apontam para recessão técnica. É grave para a economia, é gravíssimo para o discurso político do governo.
Bolsonaro vai mal, mas as expectativas econômicas iam bem. O presidente fala uma barbaridade atrás da outra, mas os ministros, por obrigação, e os aliados, por falta de alternativa, têm a mesma resposta na ponta da língua: deixa o homem falar, o importante é Paulo Guedes salvar a economia e recuperar o crescimento. E se não?
Juros e inflação baixos, reformas caminhando, acordo com UE, negociações com os EUA e liberação do FGTS são um alívio para bolsonaristas desencantados, mas apegados às promessas e sonhos da economia. Esquecem-se de que o Estado está engessado pelo déficit crônico, o setor privado continua assustado, as famílias mantêm-se endividadas, a ociosidade do comércio e da indústria persiste, os empregos não aparecem.
A recuperação deve vir, mas vai ser lenta, demorada.
Enquanto Bolsonaro faz das suas, mas a crença na economia resiste, tudo bem. Mas desilusão com ele e com a economia ao mesmo tempo pode ser explosiva.
Bolsonaro cria atritos desnecessários e “relativiza” tortura, impessoalidade, armas, radares, cadeirinhas, dados científicos, desmatamento, reservas indígenas. Mas “ele é assim mesmo”. Enquanto isso, o ministro da Economia tem uma boa equipe, o da Infraestrutura aprofunda o plano de privatizações de Temer, a da Agricultura trabalha com pragmatismo, o de Minas e Energia avança. E o Congresso faz sua parte, aprovando a reforma da Previdência sem desidratá-la.
O problema é se Bolsonaro insistir em falar e fazer o que vem na sua cachola, chocando o País e o mundo, e a economia continuar patinando até passar a andar de marcha a ré. A confluência gera pessimismo e preocupação.
Para tornar esse cenário ainda mais turvo, Bolsonaro passou meses provocando a China e ameaçando históricas relações amigáveis com o mundo árabe. Quando se imaginou que recolhia as baterias viu-se que apenas desviava o alvo para Alemanha, França, Noruega, Suécia, deixando o Brasil numa situação desconfortável. Eles têm o discurso do “bem”, o Brasil assume a posição do “mal” justamente no meio ambiente. E é isso que fica na imprensa internacional.
Bolsonaro afugenta quem votou nele “só contra o PT”, reabre feridas da ditadura militar, escanteia o Coaf em favor da própria família e abre flancos na área externa – Europa, Ásia e Oriente Médio. Assim, ele se apega a dois fatores para manter o poder: sucesso na economia e inexistência de um opositor real.
Pelo andar da carruagem, só falta surgir o opositor, o antibolsonaro. Não da esquerda, mas da centro-direita. João Doria é mais afoito, mas não é o único. Quanto mais Bolsonaro balançar, mais Dorias vão surgir.