Hoje, dor e luto. Em 2022, Bolsonaro conta com esquecimento para triturar a realidade
Perguntei ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta se a CPI da Covid seria só uma fagulha ou pegaria fogo e ele respondeu: “Tem palha, querosene e fósforo e há mais incendiários do que bombeiros. Vai pegar fogo”. O presidente Jair Bolsonaro vai fazer tudo para apagar, mas motivos e indignação não faltam para o incêndio.
Como “palha”, os fatos determinantes, visíveis a olho nu, só não vê quem não quer: Bolsonaro não agiu como presidente, não tomou nenhuma das medidas obrigatórias, não mobilizou o governo e não liderou a Nação para enfrentar a pandemia. Pior: ele agiu, mobilizou o governo e liderou a Nação a favor do coronavírus.
Como “querosene” da CPI, o resultado da inação absurda e da ação criminosa: o Brasil tem mais de 350 mil mortos, 3 mil por dia, o maior número do mundo, com os Poderes, os Estados e os municípios batendo cabeça. Sem comando, sem coordenação central, sem seguir a OMS, a ciência e a medicina, cada um faz o que quer, a população está completamente perdida. E cadê as vacinas?
Como “fósforo”, temos o presidente da República, sem máscara, defendendo aglomeração, fazendo propaganda de remédios sem sentido – e perigosos –, atacando as vacinas, xingando, brincando com a vida e principalmente com a morte. “Não sou coveiro!”, “Vão chorar até quando?”
A CPI pode pegar fogo, também, porque a indignação dos “incendiários” de esquerda, centro e direita aumenta na mesma proporção em que dispara na opinião pública. E não só pela pandemia, mas pela política externa, meio ambiente, educação, cultura, estatais e relações com Forças Armadas, PF e órgãos de controle, num desastre de grandes proporções.
A estratégia de Bolsonaro: sem defesa, ataque. Então, ataca o ministro Luís Roberto Barroso, que determinou a instalação da CPI, enquanto a tropa bolsonarista ameaça o Supremo com impeachments e CPIs fakes e opera para a retirada de assinaturas da CPI que interessa, argumentando, inclusive, que os governadores ficariam em maus lençóis.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), avisa: “Meu papel é cumprir a decisão judicial e garantir o funcionamento da CPI. Não vou atrapalhar”. Sem tomar partido na guerra política, critica os dois lados. Continua contrário à CPI durante a pandemia e classifica a decisão de abri-la de “equivocada”, mas reconhece que Barroso agiu dentro do escopo legal e Bolsonaro “extrapola os limites” ao atacar o ministro.
Pacheco acha que, além das dificuldades práticas, com o home office, a CPI vai parar o Executivo, o Legislativo e os Estados, virando palanque eleitoral. Barroso, porém, considerou três pontos cruciais: jurisprudência do STF, número regimental de assinaturas (32) e o princípio democrático do direito da minoria.
A leitura da CPI será na terça-feira e, na quarta, aguardam-se os onze integrantes indicados pelos blocos e partidos: três de MDB/PP/Republicanos, 3 de PSDB/PSL/Podemos, 2 do PSD, 1 de DEM/PL/PSC, 1 de Rede/Cidadania/PDT/PSB e 1 de PT/Pros.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder dos “incendiários”, prevê de seis a sete nomes pró CPI séria e quatro a cinco para abafar. Depende, principalmente, dos dois maiores blocos e, dentro deles, do MDB e do PSDB, muito divididos. Logo, este fim de semana é de intensas articulações no Planalto, no Congresso, entre governadores.
A CPI é agora ou nunca. É quando mortes e casos disparam e doem, sobram incertezas quanto às vacinas e certezas quanto à economia, ao emprego e à fome. O momento é de medo, luto, sofrimento. Depois, Bolsonaro conta com o esquecimento para continuar triturando a realidade em 2022, sem pudor nem remorso. A CPI tem, portanto, uma missão moral e política já e um compromisso com a história.