Lula com Sarkozy, contra os EUA, e Bolsonaro com Trump, contra a França. E o Brasil?
Donald Trump está para Jair Bolsonaro assim como Nicolás Sarkozy esteve para Lula e essas duas situações comprovam a máxima da política externa: amigos, amigos, negócios à parte. Na hora de prometer mundos e fundos, é fácil. Na hora de cumprir o prometido, a história é bem outra. O que vale para Trump é “America first”, assim como o que valia para Sarkozy era “La France avant tout”.
Lula se encantou com Sarkozy, caiu na lábia dele e por pouco não atrelou todo o arsenal brasileiro a uma única fonte: a França. Depois de fechar com os franceses o ambicioso Prosub, programa de submarinos da Marinha, inclusive o submarino de propulsão nuclear, Lula atuou o tempo todo para renovar a frota da FAB com jatos supersônicos do país.
Havia três concorrentes, o Rafale da francesa Dassault, o F-18 da norte-americana Boeing e o Gripen NG da sueca Saab. Depois de se encontrar três vezes com Sarkozy num único ano, coisa rara em relações bilaterais, Lula chegou a criar uma saia-justa ao anunciar a vitória do Rafale antes do fim do relatório técnico da FAB. O então ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez um malabarismo para desmentir o presidente.
Concluído o relatório, com milhares de páginas, o Rafale ficou no terceiro e último lugar, atrás do F-18 e do Gripen, que acabou sendo finalmente escolhido – mas só no governo seguinte, de Dilma Rousseff, quando o namoro de Lula com Sarkozy já tinha terminado melancolicamente.
A obsessão de Lula teve dupla motivação: a empatia pessoal com Sarkozy e a crença de que uma tal “aliança estratégica” do Brasil com a França seria decisiva para combater o “mundo unipolar” – algo como “colocar os EUA no seu devido lugar”. A fantasia ruiu quando o Brasil e a Turquia operaram juntos o acordo do Irã, contra o armamento nuclear do país. Um dos pilares da estratégia era o voto da França no Conselho de Segurança, mas, na última hora, Sarkozy tirou o corpo fora, votou com Washington e deixou Brasil e Turquia a ver navios.
Há que se aprender com a história, principalmente quando se trata de dois lados da mesma moeda: a ideologia empurrava Lula para a França contra os EUA; a ideologia trocada de Bolsonaro joga o Brasil no colo dos EUA, contra a França. E onde fica o interesse do Brasil nesses dois casos?
Diplomatas de diferentes gerações estão perplexos com o excesso de reverência, até de encantamento, de Bolsonaro com Donald Trump, que já foi até comparado a Deus num agora famoso artigo do chanceler Ernesto Araújo. Trump passa, mais cedo ou mais tarde, mas os EUA ficam, o mundo fica e nunca se inventou nada melhor em política externa do que o velho e bom pragmatismo. Adotado, aliás, pelos excelentes diplomatas dos governos Geisel e Figueiredo, no fim da ditadura.
Ao receber Bolsonaro no Salão Oval da Casa Branca, em março, Trump disse vagamente que apoia a entrada do Brasil para a OCDE, mas não disse como nem quando. Saltitante, feliz da vida, o presidente brasileiro se precipitou e já saiu pagando a dívida antes de contraí-la. Aceitou, inclusive, abdicar da classificação de país em desenvolvimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), mesmo perdendo condições camaradas de tarifas. Foi temerário, como se vê agora.
Trump apoiou a Argentina (além da Romênia) para a OCDE, mantendo o apoio ao Brasil, mas só depois. Alegou que a Argentina pediu primeiro, sem considerar a grave situação social e econômica e a volta do peronismo.
Após Lula cair como um patinho na tal “aliança estratégica com a França”, Bolsonaro não pode cair no conto da “aliança estratégica com Trump”. Está na hora de parar, pensar e assumir o “Brasil first”.