Com quebra do isolamento, Bolsonaro joga o destino dele e de milhões. O futuro dirá
O presidente Jair Bolsonaro jogou sua maior cartada na última quinta-feira, 16, ao demitir Luiz Henrique Mandetta, o ministro mais popular do seu governo, e substituí-lo por Nelson Teich, que vai começar tudo de novo com a função de dar um cavalo de pau na política do isolamento social – ou, como disse Bolsonaro, “redirecionar a posição do governo e dos 22 ministros”.
O recado teve endereço certo: os ministros, particularmente os superministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que apoiam, ou apoiavam, a posição de Mandetta, do Ministério da Saúde, da OMS e de todos os países desenvolvidos do mundo pró-isolamento social como a melhor forma de conter a contaminação e, consequentemente, as mortes pela covid-19.
Ainda no carro, a caminho do Ministério da Saúde para se despedir, Mandetta me disse num rápido telefonema que a derradeira conversa com Bolsonaro foi “cordial, gentil”. “Eu não posso entregar o que ele me pede”, conformava-se. “Vem aí uma dinâmica social totalmente nova, que muda tudo”, explicou, desejando sorte ao “Nelson, como é mesmo o nome dele?”. “Que Deus nos ajude a todos”, concluiu.
Para amenizar o cavalo de pau, ou o “redirecionamento”, como anunciou o presidente, ou a “nova dinâmica social”, como chama Mandetta, o dr. Nelson Teich tratou de deixar claro que a flexibilização do isolamento virá, mas não será “brusca nem radical”.
Isso pode ser bom, se significar cautela, dentro da técnica e da ciência e com base sólida de dados, como prometeu. Mas pode ser ruim, se ele esperar para agir só depois de “um diagnóstico da doença”, de um trabalho de inteligência e de uma massificação de testes (como? de onde?) que, em resumo, pode corresponder a começar do zero. No meio da pandemia? Com o número de mortos batendo em 2 mil pessoas? Emergência é emergência.
Mandetta se vai, aliás, com alta aprovação popular, mas a pandemia fica e, o pior, o presidente Jair Bolsonaro e suas manias também ficam. O novo ministro conseguiu arrancar o compromisso do presidente de parar com provocações, de causar aglomerações, tocar pessoas nas ruas sem máscara, pular de absurdos em absurdos públicos? Provavelmente sim, o que vai confirmar que, mais do que uma questão “técnica e científica” em torno da quebra do isolamento, a birra de Bolsonaro era pessoal, contra Mandetta, e política, por ciúme da sombra que o ministro lhe fazia.
Mandetta sai da Saúde e entra nas bolsas de apostas políticas, mexendo sobretudo com o tabuleiro do DEM, seu partido e dos presidentes da Câmara e do Senado e do mais novo adversário do presidente, Ronaldo Caiado (GO). Mas o que interessa nesse momento não é política, é saúde, vida, combate ao coronavírus e o equilíbrio de tudo isso com economia, empresas e empregos. Um equilíbrio delicadíssimo, agora nas mãos de Nelson Teich. Mas com Bolsonaro mandando.
A quebra do isolamento é certa, mas é preciso saber como, quando, em que bases. E como Teich, muito respeitado no ambiente médico, vai tratar a questão, que exige não só liderança na equipe da Saúde, que não terá dificuldade em conquistar, mas também negociação com governadores, o Congresso e, eventualmente, o Supremo – que estão em pé de guerra com Bolsonaro. Teich tem de ter estratégia e também se familiarizar com a máquina e a política.
Outro grande embate entre Bolsonaro e Mandetta era em torno da cloroquina como a varinha de condão. Alguém notou que o presidente nunca mais falou nisso? E que a cloroquina foi a grande ausente dos discursos no derradeiro dia de Mandetta na Saúde? Pode ser, pode não ser, mas parece que Bolsonaro perdeu essa. Quanto à quebra do isolamento, ao qual o destino de Bolsonaro e de milhões está atrelado, o futuro dirá.