Há esperança de que depois da reforma da Previdência, um novo governo começará
Difícil a tarefa de escrever uma coluna quinzenal neste momento. Todo dia uma novidade, nem sempre, ou quase nunca, positiva. O ativismo deste governo nas redes, não só do presidente, mas de seu entorno, família e gurus, é excessivo e desconcertante. Como se houvesse um obscuro desejo de autossabotagem.
Mesmo não tendo votado em Bolsonaro, entendo que é hora de deixar a campanha de lado e ter alguma boa vontade com o novo governo. Para isso, ajudaria se o presidente também entendesse que as eleições acabaram. Nada indica. Continua jogando para a mesma plateia já convertida. E os antigos cabos eleitorais que, hoje assustados com esse início de mandato, passaram a criticar o governo e agora são vistos como representantes da esquerda, cujo único objetivo é a desestabilização do governo. Narciso acha feio o que não é espelho.
Nem o mais ferrenho opositor de Bolsonaro poderia imaginar a quantidade de despautérios a serem declarados em tão pouco tempo. É para deixar qualquer um horrorizado.
Normal que o presidente procure cumprir suas promessas de campanhas, mas não deve fazer isso em detrimento dos interesses do País. O trio Araújo, Vélez e Damares reforça o clima de pessimismo. A postura dos três revela um retrocesso cultural e institucional assustador.
Há um fio condutor nas entrevistas desse grupo e nas postagens da família Bolsonaro: a repulsa ao sexo. Seja o horror ao carnaval, revelado no vídeo veiculado pelo presidente, a suposta erotização nas escolas ou a obsessão com masturbação infantil, tudo serve para tornar o sexo feio, sujo e proibido. Mais um pouco são capazes de adotar a cura gay como orientação nas escolas.
O presidente chegou a recomendar aos pais que rasguem a cartilha de vacinação de adolescentes porque contém uma – fundamental – orientação sobre sexo seguro. Pelo jeito os conservadores preferem ver seus filhos correndo riscos à saúde.
Há quem já duvide que Bolsonaro termine seu mandato se continuar nesse ritmo. Acho um exagero. Afinal, segundo o próprio presidente, só há democracia se os militares quiserem. E eles parecem querer. Enquanto o general Heleno passa panos quentes nos arroubos da família, o general Mourão, o mesmo que pregava a intervenção militar no governo Dilma, se tornou a voz da lucidez.
Tento jogar minhas esperanças na pauta econômica, ainda assim com muita cautela.
Para tentar virar o clima de descrença, o presidente resolveu dar apoio explícito à reforma da Previdência nas suas redes sociais, mas que não têm, infelizmente, a mesma repercussão que seus comentários mais genuínos e pessoais.
Na mesma linha, o ministro de Economia concedeu entrevista a este jornal. Como Pelé, ele afirmou “o presidente ganhou a eleição dizendo Brasil acima de tudo, Deus acima de todos e o Paulo Guedes dizendo que vai privatizar”. Mas na realidade, o presidente é quem dá as cartas. Nada de venda de controle de empresas, optando-se pelo desinvestimento através de venda de subsidiárias. Bem diferente e bem mais tímido que o programa de privatização dos anos 90.
A agenda liberal não encontra eco no coração de Bolsonaro. A abertura comercial está sem pai, nem mãe. Parece ter esbarrado na proteção aos produtores de leite e na proibição da importação de bananas. Nosso chanceler está mais preocupado em difundir valores morais e desprezar as relações comerciais com Brics e União Europeia. Afinal, obscurantismo combina com isolacionismo.
Guedes continua obcecado com a social democracia, ao ponto de cunhar o termo “desalckmizar”, esquecendo que até Itamar foi mais liberal do que Bolsonaro jamais será. Além disso, ficou claro que muitas promessas feitas na entrevista são pura ilusão, como a queda de 50% nas tarifas de energia. Da liberal democracia ao populismo liberal.
O impacto da entrevista durou pouco. Bolsonaro voltou às redes para atacar jornalista com fake news. Seu guru, sem cargo algum e sem mandato, conseguiu gerar uma crise no Ministério de Educação, pasta onde se discute tudo menos educação. Já caíram sete membros da equipe e mais um pouco cai o próprio Vélez, o que não seria de todo ruim. Mas esperemos o barítono.
Há uma esperança no ar de que depois da reforma da Previdência, tudo será diferente e um novo governo começará. Oxalá, porque o País precisa muito mais que a mudança na seguridade.
*É economista e advogada