Detenção de ex-presidente dá vitória a procuradores e escancara embate entre “novos” e “velhos políticos”. Lavajatista Bolsonaro, porém, precisa das duas alas para aprovar Previdência
A Operação Lava Jato voltou a se impor na agenda política do Brasil nesta quinta-feira ao prender preventivamente Michel Temer. O segundo ex-presidente a dormir na cadeia na história do país é acusado de comandar uma “organização criminosa” que atuaria há 40 anos para desviar recursos públicos. A decisão contra o emedebista partiu do juiz carioca Marcelo Bretas, um ex-colega e aliado do atual ministro da Justiça, Sergio Moro. A detenção, alvo de um pedido de habeas corpus da defesa do ex-mandatário, é apenas o começo de mais um capítulo de embates entre procuradores e juízes da operação, a classe política tradicional no Congresso e o próprio Supremo Tribunal Federal.
Se não bastasse as divisões, há outra disputa em curso. Os novatos exaltam o ministro da Justiça, Sergio Moro. Ex-juiz responsável pela Lava Jato, Moro está em clara rota de colisão com Rodrigo Maia. Eles bateram boca publicamente na quarta-feira. O deputado criticou o pacote de leis anticrime enviado por Moro dizendo que ele não era prioridade e que a proposta era um “copia e cola” de outra proposição. Já o ministro disse que parte da classe política não entende a urgência do projeto. “Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais”, alfinetou Moro.
Em viagem oficial ao Chile, o presidente, possivelmente aliviado de ver o foco de atenção se descolar da pesquisa que mostrou sua queda de popularidade para o caso Temer, a princípio foi sóbrio: “A justiça nasceu para todos e cada um responde pelos seus atos”. Em seguida, conforme o portal UOL, fez uma avaliação mirando seus eleitores antissistema e alinhados à Lava Jato. Afirmou que o seu antecessor foi detido por causa de “acordos políticos em nome da governabilidade”. “A governabilidade você não faz com esse tipo de acordo, você faz indicando pessoas sérias e competentes para integrar o seu governo. É assim que eu fiz no meu Governo, sem acordo político”, emendou, reforçando a retórica de campanha e provavelmente irritando ainda mais a outra ala de parlamentares que precisa conquistar.
Enquanto isso, no Palácio do Planalto, o presidente em exercício, Hamilton Mourão (PRTB), já rebatia as análises em circulação no mercado de que o contra-ataque da Lava Jato afetaria as votações no Congresso. Mourão descartou a hipótese, apesar de o MDB de Temer fazer parte do Governo com um ministério e dezenas de cargos de segundo e terceiro escalões. “Eu acho que não [atrapalha]. Tem ruído, vai ficar esse ruído, mas vamos aguardar, pode ser que daqui a pouco ele seja solto, vamos esperar o que pode acontecer”, disse a jornalistas, segundo a Agência Brasil. Para Mourão, Temer pode ganhar, em breve, “um habeas corpus de um ministro qualquer”.
Crise crônica
Nesta quinta-feira, no Congresso Nacional, as reações à prisão de Temer e do ex-ministro Moreira Franco deixaram nítido o desvio do foco. Um dia após o Governo Bolsonaro apresentar a parte da reforma da Previdência que restava, a dos militares, poucos falavam dela.
Quem fazia oposição a Temer e hoje faz a Bolsonaro —mas não só—, reclamava da prisão do ex-presidente, por considerarem que houve uma precipitação, já que ele deveria ser preso apenas após o julgamento de seu caso, e não preventivamente, sem nem mesmo colher o seu depoimento no processo. “As coisas vão se precipitando pela notícia. Você imagina lá fora, o que vão pensar os investidores. Um impeachment em 2016. Que país é esse? Se tirou uma presidente, sem provas objetivas, se prendeu outro, sem provas objetivas, e agora, um ex-presidente preso dessa maneira”, avaliou o senador Jacques Wagner (PT-BA), ex-ministro de Dilma Rousseff e aliado do ex-presidente Lula, condenado e preso há quase um ano pela Lava Jato.
O PT, aliás, emitiu uma nota para condenar a prisão de Temer e na qual comentam que a própria Lava Jato e Sergio Moro “travam hoje uma encarniçada luta pelo poder contra o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e a cúpula da PGR.” O texto faz referência aos reveses que a operação sofreu nas últimas semanas, quando, por exemplo, o STF determinou o envio de investigações sobre caixa 2, uma das espinhas dorsais da Lava Jato, para Justiça Eleitoral. Não à toa a ordem de prisão contra Temer emitida por Bretas faz questão de frisar que nada liga o caso à doações de campanha ilegais para tentar fugir da regra.
“Eu não sou advogado, mas não vejo nenhuma razão objetiva pra prisão do presidente Temer”, disse o senador tucano Tasso Jereissati, mostrando insatisfação também entre os parlamentares que podem ser alinhar ao Governo. “Isso é um processo de abuso de autoridade, o que vem acontecendo com alguma frequência”, criticou.
O tom era completamente distinto entre os neófitos bolsonaristas. “A notícia é maravilhosa. Demonstra que o Brasil está combatendo a corrupção. Com certeza os índices da bolsa de valores vão explodir”, dizia o líder do PSL, Delegado Waldir, ainda que tenha errado na previsão do mercado. Mesmo assim, Waldir não escondia sua preocupação com a agenda econômica e cobrava maior empenho do Governo no convencimento dos parlamentares, principalmente quanto às mudanças nas regras para os militares. “O Governo nos trouxe um abacaxi, mas a gente não tem como descascar no dente. Tem de nos dar a faca para descascar”.
O representante do PSL no Senado, Major Olímpio, também comemorou a prisão de Temer. Disse no Twitter: “O Brasil está mudando, a justiça será para todos! Grande expectativa para o povo brasileiro, estamos no caminho certo! O Brasil será passado a limpo, cadeia para todos aqueles que dilapidaram o patrimônio público brasileiro e envergonharam a política e o nosso povo”.
Os próximos dias serão de nova acomodação para avaliar o real impacto de prisão de Temer e de observação dos próximos passos ligados ao ex-presidente: será solto nas próximas horas? Se for, qual será a reação de uma parte da opinião pública irritada com o Judiciário que poda a Lava Jato? Trata-se de um ciclo crônico a que Brasília tenta se acostumar desde o início da operação, em 2014, e que já havia afetado o próprio Temer. Quando presidente, Temerencaminhava bem a votação de sua reforma da Previdência e tinha chances de aprová-la, explodiu a delação do empresário Joesley Batista, da JBS, que o implicava diretamente. O ano era 2017. Dois anos depois, e já fora do poder, ele pode protagonizar a virada decisiva para o destino da nova tentativa de mudar as aposentadorias.