Futuro ministro da Casa Civil de Bolsonaro começa a despachar transição e recebe romaria no gabinete. “É um novo modelo e, se isso vai dar certo, só o tempo vai dizer”, diz o senador Ciro Nogueira
Por Ricardo Della Coletta, do El País
Tudo indicava que Onyx Lorenzoni (Porto Alegre, 1954) seria escolhido o líder do Democratas na Câmara dos Deputados para o ano de 2015. Havia uma regra informal de rodízio entre os líderes e o gaúcho, com a experiência de quem então iniciava o seu quarto mandato consecutivo, considerava que tinha o posto garantido para si. Acabou derrotado depois de uma articulação de bastidores do então líder Mendonça Filho, que conseguiu vencer o correligionário e ser reeleito com 16 dos 21 votos. Foi uma traição para Lorenzoni, que à época acusou seu colega de quebrar o acordo de revezamento.
Começava ali um distanciamento entre o deputado e o seu partido que o deixaria escanteado na Câmara pelo restante do seu mandato. Mas isso não quer dizer que ele tenha ficado imóvel nesse tempo. Pelo contrário. Lorenzoni foi um dos primeiros a perceber a força das redes sociais como canal de comunicação direto com o eleitor e diagnosticou que os protestos de rua pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff pavimentavam o caminho para uma candidatura ao Palácio do Planalto de direita, sintonizada com esses movimentos. Isso fez com que, a partir de 2017, ele entrasse de cabeça no projeto presidencial de outro deputado que literalmente “falava sozinho” pelos corredores do Congresso Nacional. Era Jair Bolsonaro, eleito presidente da República com 55% dos votos válidos nas eleições de 28 de outubro. Terminado o pleito, Lorenzoni foi indicado como o futuro titular da Casa Civil, o órgão responsável por coordenar o trabalho dos demais ministérios e que também deve acumular as negociações do Executivo com o Legislativos. Os tempos de isolamento ficaram para trás: não há hoje em Brasília um deputado tão procurado quanto ele.
Lorenzoni viajou à capital federal nesta semana para se encontrar com o atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e dar início à transição de governo. Na quinta-feira, passou a manhã no seu pequeno gabinete no oitavo andar de um dos anexos da Câmara, onde recebeu uma verdadeira romaria de parlamentares. Passaram por ali a presidenta da Frente Parlamentar Agropecuária, Tereza Cristina, e o senador eleito Luis Carlos Heinze, ambos expoentes da bancada ruralista. Também foram cumprimentar o novo todo poderoso da Esplanada os deputados Leonardo Quintão (MDB), Osmar Serraglio (PP) e Danilo Forte (PSDB), que não conseguiram se reeleger. Ao saírem, tanto Heinze quanto Forte disseram que esperam que seus partidos apoiem o governo Bolsonaro no Congresso.
Médico veterinário de formação, Lorenzoni será um dos três superministros de Bolsonaro —os outros dois são Paulo Guedes, o guru da área econômica, e Sergio Moro, da turbinada pasta da Justiça. Entre as atribuições do deputado, está a montagem de uma base parlamentar para o capitão reformado do Exército no Congresso Nacional, principalmente na Câmara. O presidente eleito sinalizou que pretende buscar esse apoio nas frentes temáticas, principalmente na que fincou conhecida como bancada BBB (Bíblia, boi e bala), numa sinalização aos seus eleitores de que pretende abandonar o característico toma lá, dá cá que marca o modelo de presidencialismo de coalizão no Brasil.
É aí que começam os problemas que Lorenzoni terá de contornar. Embora o Congresso Nacional que emergiu das urnas tenha um perfil eminentemente conservador, são poucos os que acreditam que o novo governante do País conseguirá construi uma base de sustentação no Legislativo apenas pelas tratativas diretas com as frentes temáticas. A bancada BBB pode ter números superlativos, mas, ao contrário dos partidos políticos, não tem como punir eventuais dissidentes.
“Partidariamente não tem tido nenhum tipo de discussão porque parece que ele [Bolsonaro] não quer fazer escolhas via partidos. É um novo modelo e, se isso vai dar certo, só o tempo vai dizer”, afirma o senador Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, que elegeu a terceira maior bancada na Câmara. “Não é fácil, porque quem conduz a bancada é a liderança partidária. Acho muito difícil ele conseguir no varejo um apoio para temas polêmicos, em especial a Previdência.”
Com 16 anos nas costas só na Câmara dos Deputados, Lorenzoni sabe que dificilmente conseguirá escapar dos acordos com as cúpulas dos partidos políticos, que costumam envolver o loteamento da máquina pública em troca da ajuda dos parlamentares para aprovar projetos de interesse do Palácio do Planalto. Um dirigente de uma legenda que deve apoiar Bolsonaro avaliou ao EL PAÍS que, embora a redução do número de ministérios —fala-se em 15 pastas na Esplanada, frente às 29 que existem hoje— possa passar a imagem de uma administração menos política, as demandas dos deputados por espaços nos cargos do chamado segundo escalão devem continuar as mesmas. “Acho que vai compor igual aos outros governos. Pode ser que o partido não fique com o ministério, mas vai contemplar os parlamentares [em estatais e órgãos reguladores]. Tudo igual”, diz.
A força que o capitão reformado do Exército terá no Parlamento também passa pelas eleições, em fevereiro, das presidências da Câmara e do Senado. Na primeira, a disputa promete reacender um velho embate já vivido pelo deputado gaúcho. No início dos anos Michel Temer, o deputado gaúcho e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, estiveram em lados opostos no debate sobre a adesão ou não do Democratas ao governo do emedebista. Maia, que defendia a entrada do DEM no governo Temer, saiu vitorioso e está no seu segundo mandato à frente da Casa, posto que espera manter. Lorenzoni não esconde de seus interlocutores que, no que depender dele, Maia não terá êxito.
Ainda não está claro se os antigos ressentimentos desencadearão numa disputa aberta entre o novo chefe da Casa Civil e o atual presidente da Câmara. O próprio Bolsonaro sinalizou que, em nome da governabilidade, quer adotar o caminho que lhe garanta uma posição mais confortável na Casa. Disse, por exemplo, que o seu partido, o PSL, não deve pleitear o posto.
Numa transição com vários superministros, também já houve atritos entre Lorenzoni e o futuro titular da Economia, Paulo Guedes. O parlamentar havia afirmado que o projeto de reforma da Previdência de Temer não deveria ser aproveitado, na contramão do que dissera Guedes. O guru econômico de Bolsonaro desautorizou o aliado. “É um político falando de economia. É a mesma coisa do que eu sair falando de política. Não dá certo, né?”, disparou Guedes. Nesta quinta, Lorenzoni tentou minimizar a primeira canelada entre membros do governo eleito. “Está tudo na paz do senhor. Paulo Guedes é meu ídolo”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo.
Caixa dois
Entre a sua derrota para a liderança do Democratas em 2015 e a meteórica ascensão de Bolsonaro, Lorenzoni tinha visibilidade em Brasília principalmente por ter sido o relator das Dez medidas contra a corrupção, pacote de medidas encampado pelo Ministério Público para combater malfeitos no setor público. O deputado considerou que o seu relatório foi “desfigurado” por seus colegas na votação final da proposta na Câmara. Essas declarações deixaram-no ainda mais escanteado na Casa.
Sua atuação como paladino contra os crimes de colarinho branco não impediram que ele mesmo se visse envolvido em casos de corrupção. Sua reação às acusações, no entanto, foi incomum: após uma delação, Lorenzoni admitiu ter recebido 100.000 reais do conglomerado JBS como caixa dois para a sua campanha. Pediu desculpas aos eleitores e se colocou à disposição para ser investigado – o caso visto como crime grave por seu futuro colega de gabinete, Moro, acabou arquivado no Supremo Tribunal Federal. Ao menos os eleitores gaúchos parecem ter aceitado o pedido de desculpas: Lorenzoni foi o segundo mais votado do Estado, com 183.518 eleitores.