Após a onda de terror desatada pelo presidente, dezenas de milhares exigem sua saída do poder
Por Carlos Salinas, do El País
Aos seus 76 anos, Marta Rivas se plantou desde as 10h da manhã desta quinta-feira, 12, na praça Cristo Rei, em Manágua, para participar da manifestação convocada pela oposicionista Aliança Cívica e apoiada pelas câmaras empresariais para expressar seu repúdio ao presidente Daniel Ortega e exigir o fim de seu mandato, depois de mergulhar a Nicarágua na sua pior crise política desde 1990, com um saldo de 300 mortos até agora. “Estou aqui para que tenhamos justiça, paz e liberdade”, disse Rivas enquanto agitava a bandeira azul e branca da Nicarágua. “Estou aqui para que nunca mais sejamos escravos de nenhum ditador, para que sejamos livres como as pombas.” Ao seu ao redor, reuniam-se centenas de pessoas à espera do início da manifestação, a mais importante desde a Marcha das Mães de 30 de maio, que foi atacada por hostes de Ortega, em confrontos que deixaram dezenas de mortos.
“Já houve muita tortura, muito assassinato, por parte desse casal de desequilibrados”, disse Rivas, uma secretária-executiva aposentada, referindo-se a Ortega e à sua esposa, a vice-presidenta Rosario Murillo. A manifestação ocorreu quando se completam 86 dias da crise, que já ameaça destruir a frágil economia nacional. Um relatório da Fundação Nicaraguense para o Desenvolvimento Econômico e Social (FUNIDES) revelou que desde abril, quando as manifestações contra Ortega começaram, já foram fechados 215 mil postos de trabalho, e os prejuízos superam um bilhão de dólares. Rivas, que seria afetada por uma reforma previdenciária que Ortega tentou impor sem consenso, disse que, apesar das perdas materiais e de vidas, as pessoas deveriam permanecer nas ruas para demonstrar seu rechaço ao regime. “Não se deve ter medo. O que ocorreu em abril foi o motivo para iniciar este movimento. A mensagem é clara: este homem precisa sair. É preciso pressioná-lo, sufocá-lo, com passeatas, paralisações nacionais, deixando de pagar impostos”, disse a mulher, que cobria o rosto com uma viseira porque o sol já ardia com força àquela hora.
Uma onda azul e branca avançou pelas ruas de Manágua em um percurso de vários quilômetros que pretendia desafiar o poder de Ortega, que no domingo causou o pior massacre já vivido neste país em tempos de paz, quando suas hostes atacaram as cidades rebeldes de Diriamba e Jinotepe, a 40 quilômetros de Manágua, deixando pelo menos 21 mortos num só dia. “Como jovem, minha obrigação é estar nas ruas para prestar homenagem a essas 351 pessoas que perderam a vida por causa deste governo criminoso”, disse Emilio Morales, um sociólogo de 29 anos que marchava carregando um cartaz com os dizeres: “Protestar é meu direito, reprimir é seu delito”. Ele disse que Ortega só deixará o poder se os nicaraguenses o pressionarem a partir das ruas, mas também fez um apelo à comunidade internacional para que dedique mais atenção à tragédia deste país centro-americano. “Que a OEA aplique a Carta Democrática”, disse, em referência ao instrumento interamericano que isolaria o Governo de Ortega por considerar que houve uma ruptura da ordem institucional no país. É precisamente essa a acusação do presidente: que quem se manifesta contra o Governo está tentando forjar um golpe de Estado na Nicarágua.
Fontes diplomáticas disseram que o Conselho Permanente da OEA cogita duas resoluções sobre a Nicarágua, uma relacionada à implementação das recomendações feitas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) depois de sua visita ao país, exigindo esclarecimento e punição dos assassinatos registrados desde abril, e outra com propostas para uma saída pacífica da crise, com a antecipação de eleições gerais. As mesmas fontes acrescentaram, porém, que as duas resoluções não contam com os 18 votos necessários para sua aprovação, principalmente porque não foi possível convencer os países do Caribe e do resto da América Central.
A solução, sabem os nicaraguenses, não virá de fora. A pressão social nas ruas da Nicarágua é a via para obter uma saída pacífica para a crise, opinaram analistas consultados em Manágua. Na quinta-feira houve manifestações em outras cidades do país, embora a maior tenha sido a de Manágua. Marta Rivas, apesar do calor e da idade, avançava em meio à passeata. A passos lentos, mas decididos, por uma cidade que pelo menos durante um dia recuperou a liberdade, após semanas de um toque de silêncio informal imposto pelas hostes de Ortega. Marta, como os milhares de nicaraguenses que a cercavam, também gritava as palavras de ordem: “O povo pede: vá embora, carniceiro!”.