De um lado, a leitura de um futuro nebuloso, de outro, a de um passado de erros. Entre direita e esquerda, uma massa de eleitores que se recusam a votar nos dois candidatos
Por Beá Lima
À direita estão os eleitores de Bolsonaro, candidato à frente na corrida eleitoral, com propostas pouco específicas e um discurso conservador. O capitão da reserva aposta em uma estratégia de campanha polêmica e “antissistema” que alerta para o perigo de uma suposta ditadura socialista, ou de o Brasil virar a Venezuela, caso a oposição vença as eleições. À esquerda, os de Haddad, candidato substituto do ex-presidente Lula nas eleições presidenciais, com propostas de reavivar o projeto do PT, e que baseia sua mensagem na ideia de que sua eleição significa a defesa da democracia em oposição à volta do autoritarismo, representado por Bolsonaro, um admirador da ditadura militar.
“Ficou no ar essa de votar contra o fascismo ou votar contra o comunismo e nenhum dos dois representa isso, na minha visão”, afirma Fernando Teló, 29 anos, morador de Maringá (Paraná), zona eleitoral em que 60,1% dos votantes escolheu Bolsonaro no primeiro turno. O jovem se refere ao cenário político partidário do segundo turno como um “Grenal Eleitoral”, em referência ao clássico entre os times Grêmio e Internacional, e confessa que tem evitado falar de política. “Me sinto obrigado a pisar em ovos nesse assunto, ficou tudo mais delicado e as pessoas ficaram imprevisíveis. Evito ainda mais s quando se trata do Bolsonaro, pois tem número maior de eleitores dele aqui”.
Jennifer Ferreira* mora na periferia de São Paulo e também tem sentido receio em relação aos apoiadores do Bolsonaro.“Eu tive que bloquear um cara que nem me conhecia e veio me perseguir no Facebook porque eu tinha repudiado em um comentário as agressões sofridas pela MC Banana [que é transexual]. É uma loucura, parece que estamos voltando à ditadura”. Mas, apesar de a jovem de 23 anos temer a eleição de Bolsonaro, ela não acredita que mais um governo do PT seja a saída. Durante a gestão Haddad, ela morou embaixo do Viaduto Alcântara Machado e relata que lutou contra pelo menos três tentativas de remoção de sua casa. “Eu não votei no primeiro e não tô com nenhuma vontade de ir votar no segundo. Morei na rua e sei que os de baixo sempre sofrem.”
A descrença na política inclusiva do PT também está presente na justificativa de Bruno que não vê nas propostas de Haddad uma realidade possível para seu cotidiano que, segundo ele, é marcado pela precariedade dos subempregos e privatização do ensino superior. “O Haddad enche a boca pra falar do FIES e se esquece das pessoas que se endividaram por não conseguir arcar com os custos do ensino privado”, conta o jovem, referindo-se ao programa de crédito estudantil que é uma das vitrines da gestão Haddad no Ministério da Educação. Há três anos ele tenta ingressar numa universidade pública.
Juntos, os três jovens representam o sentimento de uma parte dos brasileiros nestas eleições de 2018, em que 30 milhões de eleitores não compareceram às urnas no primeiro turno, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O nível de abstenção, de 20,3%, é o mais alto desde as eleições de 1998, quando 21,5% do eleitorado não votou, apesar de o voto ser obrigatório. Há 12 anos, o índice de abstenção tem sido crescente. Em 2006, 16,8% da população não compareceu às eleições presidenciais. Em 2010, o índice foi de 18,1%. Em 2014 chegou a 19,4% e agora passou para 20,3%, segundo o TSE. Apesar do aumento, a socióloga Fátima Pacheco Jordão acredita que esses números não sejam estatisticamente relevantes, por conta da margem de erro e de cadastros desatualizados na Justiça Eleitoral.
A militância pelo voto de misericórdia
No terreno minado das eleições, há desentendimentos por todos os lados e tem sobrado farpa até para quem não acredita que tomar partido diante da polarização seja a solução. Evânio Cézar, 25 anos, morador de Areado, Minas Gerais, está decidido a anular seu voto e, ao se posicionar entre os amigos, relata que tem sido pressionado a votar para salvar o país. O mineiro relatou que os apoiadores de Bolsonaro têm sido mais incisivos em conquistar seu voto para evitar uma possível ditadura bolivariana. “Os argumentos são de que ele realmente vai mudar o Brasil e tirar o PT da presidência”. Ele complementa dizendo que se sente intimidado a tomar um lado, mas que percebe as pessoas mais alienadas: “Às vezes me dá medo porque percebo que só estão indo na onda da internet, sem levar em conta uma boa proposta de Governo para o Brasil.”
Já Tássia Farssura (foto principal, acima) , 34 anos, paulistana que também já optou pelo voto nulo, reclama ter sido mais abordada por eleitores do Haddad, candidato em desvantagem na corrida eleitoral e que, de fato, precisa conseguir converter alguns indecisos. “Chegaram a apelar: você quer bolsa de doutorado, fazer pesquisa e vai deixar o Bolsonaro entrar?”, conta a mestra em gestão de projetos de engenharia civil, que há dois anos tenta uma bolsa para sua pesquisa de doutorado.
Fátima Pacheco Jordão aponta para a manifestação dos não-votantes como um ato de descontentamento com o instrumento político partidário. “A população não consegue perceber nas lideranças políticas partidárias aquilo que elas procuram”. ” Mas à medida que o dia da eleição se aproxima, parte importante do eleitorado resolve em quem vai votar. Às vezes, na última semana, quiçá, no último dia”, diz a também especialista em pesquisa de opinião. Com o cenário, ela enxerga uma forte tendência popular em reivindicar outras formas de democracia, mas pondera: “é provável que a população peça por uma maior participação num sentido plebiscitário, mas é provável que as elites irão preferir fazer uma reforma política.”
*Nome fictício, usado para preservar a identidade dos entrevistados a pedido deles