Ex-juiz participou de audiência ao longo de nove horas no Senado na tentativa de evitar a abertura de comissão de investigação para tratar das revelações feitas pelo ‘The Intercept’
Em quase nove horas de inquirições, o ministro da Justiça, Sergio Moro, deixou claro quem ele é agora. Não é mais o juiz da Operação Lava Jato. É agora plenamente um político que, ao ser sabatinado por parlamentares, exibe não apenas alguns argumentos como se apresenta como quem tem um gigante boneco inflável, com sua face pintada e vestindo uniforme de super-homem, na frente do Congresso Nacional como símbolo de sua base de apoio. Durante audiência na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na qual ele compareceu voluntariamente nesta quarta-feira para se defender de vazamentos de diálogos que o envolvem, Moro estabeleceu um mantra que repetiu com disciplina: confrontou opositores do Governo Jair Bolsonaro (PSL) e seus questionadores como potenciais inimigos da luta anticorrupção como um todo, negou conluio com o Ministério Público Federal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros réus e tratou as reportagens publicadas pelo site The Intercept Brasil como textos sensacionalistas que servem a um “grupo criminoso” que busca “obstaculizar” as investigações.
As respostas de Moro foram uma tentativa de evitar a abertura de um processo de investigação contra si no Senado e uma sinalização de que está disposto a conversar com os parlamentares enquanto a crise provocada pelas revelações se desenrola. É provável que, nas próximas semanas, o ministro ainda fale em alguma comissão da Câmara dos Deputados, um terreno menos seguro para os governistas, já que a oposição lá costuma ser mais estridente do que a dos senadores.
Uma das linhas de defesa de Moro foi tratar com desconfiança o The Intercept. O ministro se negou a citar o nome do site ou de Glenn Greenwald, o jornalista que coordena a equipe responsável pelas divulgações. Reclamou até que as reportagens não foram publicadas prontamente e em conjunto. “Eu li uma afirmação de que havia material para divulgar por um ano. Vão ficar por um ano divulgando isso a conta-gotas? Apresente-se a uma autoridade independente, para que seja então verificada toda a verdade, sem sensacionalismo”, cobrou.
“Se houver irregularidade de minha parte, eu saio”
Em todo o tempo da audiência, Moro perdeu o prumo em poucas ocasiões. Uma foi quando o senador Fabiano Contarato (REDE-ES) disse que seus diálogos com Deltan Dallagnol, quando ele aparece dando orientações ao procurador, reclamando da defesa de Lula ou sugerindo fontes de acusação, quebravam o “princípio da isonomia” que um magistrado tem de ter nos processos judiciais, dando o mesmo peso aos acusadores e aos defensores. Em um primeiro momento, Moro disse que o senador capixaba defendia a anulação de todos os atos da Lava Jato, o que em nenhum momento ele disse.
A outra situação foi quando o senador Rogério Carvalho (PT-SE) o questionou sobre um suposto treinamento de mídia que ele teria feito nos últimos dias para se preparar para a audiência e sobre eventuais diálogos que ele teve com o desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a corte responsável por analisar as decisões da 1ª instância. “Não fiz media training nenhum para vir aqui. Eu não preciso fazer media training para vir aqui falar a verdade. Desculpe. Se o senhor tem esses elementos, apresente então. São falsas essas afirmações que o senhor está fazendo”, respondeu irritado.
Na estratégia de defesa, o ministro evitou referendar ou negar o conteúdo das mensagens reveladas pelas reportagens. Repetia que não se lembrava de alguns diálogos (em outros momentos, também disse não se lembrar de outros detalhes perguntados e assim se esquivava de responder) e afirmava que era impossível falar com base nos trechos divulgados que não sabia se eram fidedignos, manipulados ou fraudados pelos “hackers”. Ele sugeriu ao site leve as mensagens para a análise do Supremo Tribunal Federal, para que sua legitimidade seja verificada. Quando indagado se se afastaria do cargo para passar por uma investigação, negou-se a fazê-lo e alegou não ter tido nenhuma conduta ilegal. “Se minhas comunicações com quem quer que seja forem divulgadas sem alteração e sem sensacionalismo, minhas correções serão observadas”, disse. E completou: “Não tenho apego ao cargo em si. Se houver irregularidade de minha parte, eu saio.”
Contra a acusação de que atuou em conluio com a acusação —algo que estará em escrutínio do STF que na semana que vem julgará um pedido da defesa de Lula—, tratou de ressaltar os números obtidos pela Operação Lava Jato. Segundo um levantamento apresentado por ele, nos quatro anos em que esteve à frente da operação, foram apresentadas 90 denúncias e emitidas 45 sentenças, sendo que o Ministério Público recorreu de 44 delas. “Se falou muito em conluio. Aqui é um indicativo claro de que não existe conluio nenhum, inclusive divergência”. Afirmou também que absolveu 63 dos 291 acusados. Além de seu mantra, Moro quis destacar em vários momentos as irregularidades descobertas pela Lava Jato. “O que houve foi uma captura da Petrobras, para atender a interesses especiais de agentes públicos e de agentes privados inescrupulosos”, disse.
“Quem com ferro fere, com ferro será ferido”, provocou o opositor, Paulo Rocha (PT-PA), para reclamar do “sensacionalismo” adotado frequentemente pelas operações policiais da Lava Jato. A frase também parecia estar na mente do petistas, que criticavam as declarações do ministro contra a suposta fonte ilegal do The Intercept quando ele mesmo minimizou parâmetros legais ao divulgar em 2015 os diálogos entre a então presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (ambos do PT). Na época, a divulgação resultou em uma série de protestos pelo impeachment dela e na proibição de Lula se tornar ministro da Casa Civil. Moro seria, então, advertido pelo STF por publicizar um diálogo de um presidente da República que não estava em sua alçada e pediria desculpas. Além disso, tecnicamente a gravação aconteceu quando já havia expirado o mandato legal que autorizada os grampos telefônicos. Nesta quarta, ministro afirmou que os dois casos são distintos e não poderiam ser comparados. “Ali [no caso Lula-Dilma] havia uma interceptação autorizada legalmente”, disse o ministro. “Aqui, nós estamos falando de alguma coisa completamente diferente: um ataque de um grupo criminoso organizado, hacker, contra autoridades envolvidas no enfrentamento da corrupção”.