El País: Lula provoca Bolsonaro e marca posição como seu maior rival

Ex-presidente usa discurso ácido para antagonizar com posições radicais do atual mandatário, mas enfrenta o rótulo de "criminoso" depois que saiu da prisão.
Foto: Paulo Pinto/FotosPublicas
Foto: Paulo Pinto/FotosPublicas

Ex-presidente usa discurso ácido para antagonizar com posições radicais do atual mandatário, mas enfrenta o rótulo de “criminoso” depois que saiu da prisão

O ex-presidente Lula da Silva voltou ao jogo político e já despertou suas bases ao mesmo tempo em que provocou reações de seus adversários. Em seu discurso, em São Bernardo do Campo, adoçou o coração de quem o segue com palavras de esperança de um país melhor, incluindo o aviso de que a esquerda vencerá a extrema direita em 2022. Trouxe também de volta os fantasmas que alimentam a narrativa do Governo Jair Bolsonaro e a massa de antipetistas do Brasil. Depois de acusar o presidente Bolsonaro de governar para os “milicianos do Rio de Janeiro”, e de chamar o ministro Sergio Moro de “canalha”, Lula mencionou os protestos de rua que o Chile vem enfrentando há duas semanas. Citou os chilenos como “exemplo” para “resistir” e “lutar”.

Foi a deixa para acusar o ex-presidente de estimular a violência. “Lula, em seu discurso, mostra quem é e o que deseja para o país. Incita a violência (cita povo do Chile como exemplo), agride várias instituições, ofende o Pres Rep e mostra seu total desconhecimento sobre carreira militar”, tuitou o general Augusto Heleno, ministro de Segurança Institucional, fazendo alusão também ao fato de Lula ter dito que Bolsonaro se aposentou cedo e agora tira direitos previdenciários com a reforma.

Claudio Couto, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas, avalia que o discurso inflamado de Lula para o seu público é estratégico para polarizar com Bolsonaro e posicionar-se como sua principal oposição. “Não foi radical, foi um discurso forte que marca a distância com a extrema direita [de Bolsonaro]”, completa. O que vai definir o jogo eleitoral, no entanto, não são palavras ácidas ou dóceis do discurso. “É saber se ele vai procurar o Ciro Gomes ou não, se será articulador ou se vai se isolar”, completa o professor da FGV.

A esquerda no Brasil saiu fragmentada da eleição de 2018 após a fratura exposta com o PDT, hoje dominado por Ciro Gomes, que nunca visitou Lula na prisão e não perde uma oportunidade de alfinetá-lo. Baixar a guarda é um desafio diante de uma direita que também se dividiu depois de uma aliança pela eleição do presidente Jair Bolsonaro, mas que deu sinais neste sábado de quem também pode se reaproximar em nome de combater o petista que volta à arena política. “A esquerda nunca foi muito unida”, ressalva a cientista política Maria Hermínia Tavares, que não acredita numa radicalização de Lula e nem do PT. “Ele não foi radical nem nos discursos mais virulentos. O Lula é um político de negociação, e isso pode formar um campo amplo de oposição caso se estique até o ‘centrão’, ao MDB, porque ele já governou com essa gente”, opina. Mas, agora, o PT precisa juntar as forças primeiros, opina. “O partido estava preso em Curitiba e agora está solto”.

Couto concorda. “Hoje ele tem mais apoiadores do que detratores, embora também teremos uma mobilização forte dos bolsonaristas”. O professor entende que se Lula atuar como articulador da oposição, o discurso da esquerda se fortalece. “Ele só vai conseguir capitalizar essa vantagem se “brigar menos e conversar mais”. Ele tem a capacidade de atrair até lideranças do centro, como Renan Calheiros e Roberto Requião, mesmo que o partido deles tenha atuado pelo impeachment da Dilma”, opina.

Mas o petista tem contra si um rótulo pesado depois da prisão, ainda que seu processo seja objeto de questionamento na Justiça, com o recurso de suspeição do ex-juiz Sergio Moro (a ser votado ainda este mês, segundo o ministro Gilmar Mendes), que poderia anular seu processo. “Lula foi condenado e grande parte da população entende que ele é um criminoso. A maior parte do Brasil não comemorou sua saída e ele não tem mais o poder de levar tanta gente para a rua, apesar de sua oratória”, acredita Sergio Denicoli, diretor de big data da AP Exata. É um flanco que foi explorado por Bolsonaro e Moro neste sábado. O presidente se referiu a Lula como um “canalha, momentaneamente livre, mas cheio de culpa”. Moro tuitou hoje que não responderia  a “criminosos, presos ou soltos”, em referência aos ataques de Lula.

Se o recurso de suspeição do então juiz Moro, responsável pela sua prisão em primeira instância no caso do triplex, foi aceito pelo Supremo, teria poder para alterar seu status, avalia o jurista Marco Aurélio de Carvalho, que vê chances de o ex-presidente sair vitorioso no julgamento que pode ocorrer ainda este mês na Segunda Turma. “Ele pode se reabilitar politicamente, e todos os demais processos aos quais ele responde seriam contaminados pela suspeição de Moro”, diz ele. Nesse caso, Lula teria capacidade de regeneração política muito maior, avalia o professor Claudio Couto. “Se houver anulação do julgamento, o jogo muda totalmente de figura”.

Distração provocada

Couto acredita que o antagonismo entre Lula e Bolsonaro traz uma vantagem maior para o segundo. “O presidente opera o tempo todo sendo anti-PT. Lula fora da prisão lhe dá um discurso mais efetivo. Agora ele pode falar que a corrupção está vencendo e que o STF está cedendo à pressão dos condenados”, analisa. Os movimentos de rua da direita exploraram exatamente isso neste sábado, incentivando o apoio à PEC que rever a decisão do Supremo da semana passada sobre segunda instância que libertou Lula e outros desafetos deles, como o ex-ministro José Dirceu.

Para Bolsonaro, a volta de Lula ao cenário nacional ajuda a redirecionar o debate para um nível ideológico, “tirando o foco das dificuldades diárias que o seu Governo vem demonstrando ter”, avalia o analista Thiago de Aragão. “Isso também é o que o Lula quer, tirar o foco de Bolsonaro enquanto busca apoio dos [partidos] de centro para inibir cada vez mais a capacidade do presidente de formar uma aliança forte”, completa.

Essa cartada do presidente, porém, é limitada. Ele também tem seus esqueletos no armário jurídico, com o filho, o senador Flavio Bolsonaro, sendo investigado pelas movimentações financeiras suspeitas do ex-funcionário de seu gabinete, Fabricio Queiroz, o que ofuscou seu papel de defensor da luta anti-corrupção. Couto enxerga no fato de Sérgio Moro ser ministro do Governo um ponto a favor da postura lavajatista do presidente. “Se o Bolsonaro perdeu essa reputação íntegra, embora não tenha nenhuma trajetória histórica de político anticorrupção, ele pode retomá-la com a aliança de Moro”, opina. Hermínia Tavares não vê o presidente se beneficiando e nem se prejudicando com a soltura de Lula. “O fato pode criar um elo maior. Mas só para os que já estão do lado dele”. Vai ser um jogo de resistência para os dois campos até 2022.

Privacy Preference Center