El País: Juiz rejeita denúncia contra Greenwald, mas acusa de jornalista de dar “auxílio moral” a hackers

Magistrado citou veto do STF para negar a abertura de ação contra jornalista do ‘The Intercept’. Denúncia do MPF, em janeiro, foi criticada por entidades de jornalismo e de direitos humanos.
Foto: Ole Spata/EFE/El País
Foto: Ole Spata/EFE/El País

Magistrado citou veto do STF para negar a abertura de ação contra jornalista do ‘The Intercept’. Denúncia do MPF, em janeiro, foi criticada por entidades de jornalismo e de direitos humanos

A Justiça Federal negou nesta quinta-feira denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald, fundador do The Intercept, por associação criminosa, interceptação de comunicações e invasão de dispositivo informático. Em janeiro, o jornalista norte-americano havia sido denunciado pelo Ministério Público Federal por suposto envolvimento na invasão de celulares de autoridades como Deltan Dallagnol, procurador da força-tarefa da Operação Lava Jato, provocando críticas de entidades jornalísticas e de direitos humanos. Em sua decisão, o juiz Ricardo Augusto Leite, substituto da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, citou como motivo para livrar Greenwald do processo penal não o mérito da causa, mas o veto estabelecido por Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, que em agosto proibiu que o jornalista fosse investigado, evocando a proteção ao sigilo de fonte. Na sentença, o magistrado apoia ainda a reivindicação do Ministério Público Federal de derrubar a liminar de Mendes que blinda Greenwald.

As mensagens privadas das autoridades obtidas pelos hackers e repassadas a Greenwald originaram série de reportagens feitas pelo The Intercept Brasil e um grupo de veículos, incluindo o EL PAÍS, que revelaram a proximidade entre Sergio Moro, então juiz da Lava Jato, e os procuradores e puseram em xeque a imparcialidade da operação. O jornalista norte-americano sempre rechaçou ter participação do hackeamento.

Na peça publicada nesta terça, o juiz Leite concorda com o procurador Wellington Oliveira e afirma observar indícios de conduta criminosa por parte de Greenwald, sustentando que o jornalista teria instigado acusados a dar continuidade aos delitos e a apagar mensagens interceptadas. “Entendo que há clara tentativa de obstar o trabalho de apuração do ilícito, não sendo possível utilizar a prerrogativa de sigilo da fonte para criar uma excludente de ilicitude”, aponta o juiz, que, embora tenha rejeitado por ora a denúncia, não descarta entrar com pedido de prisão preventiva contra Greenwald por entender que ele teria prestado “auxílio moral” a um dos hackers, que está preso. O processo continua em sigilo. Os outros seis acusados da ação hacker na mesma denúncia se tornaram réus.

O fundador do The Intecept reagiu à decisão de Leite. “É uma boa notícia, mas vamos ao STF”, disse Greenwald em um vídeo. Segundo o jornalista, seus advogados vão à Corte para estabelecer que a denúncia contra ele é um ataque à imprensa livre.

Áudio com uso distinto

Em janeiro, a denúncia do MPF contra o jornalista já havia sido criticada por entidades nacionais e internacionais, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a ONG Anistia Internacional. Para sustentar a acusação, o procurador Wellington Oliveira utilizou diálogo entre Greenwald e um dos acusados que confessara ter se apropriado de mensagens das autoridades para argumentar que o jornalista “de forma livre, consciente e voluntária, auxiliou, incentivou e orientou, de maneira direta, o grupo criminoso, durante a prática delitiva, agindo como garantidor do grupo, obtendo vantagem financeira com a conduta aqui descrita”. A questão é que o mesmo diálogo havia sido usado pela Polícia Federal para isentar a conduta do jornalista ao longo do processo de obtenção dos dados. De acordo com o relatório policial baseado no mesmo material investigado e no áudio referido pelo procurador, a troca de mensagens evidenciava a “adoção por Glenn Greenwald de uma postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões, bem como da escolha de eventuais alvos pelos criminosos”.

No mês passado, José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso entre 1999 e 2000 e atual presidente da Comissão Arns de defesa dos Direitos Humanos, considerou que a denúncia de Oliveira tinha “caráter político” e buscava “intimidar e silenciar” a imprensa livre. “Nesse caso, eu acho que se pode, inclusive, pensar em rime de abuso de autoridade por parte dele”, avaliou em entrevista ao EL PAÍS.

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