Premiê indiano recebe brasileiro na data nacional mais importante do país, no domingo. Em comum, líderes enfrentam críticas por atacarem imprensa e minorias
Jair Bolsonaro chegou nesta sexta-feira à Índia como principal convidado para as comemorações do Dia da República, no domingo, dia 26, em Nova Délhi. A deferência de participar da festa mais importante do Estado indiano é lida com um aceno do primeiro-ministro Narendra Modi, que esteve no Brasil em novembro, ao ultradireitista brasileiro. Ambos os líderes das duas potências emergentes buscam melhorar a aliança estratégica diante do desafio comum da reativação econômica e em meio a críticas que recebem em âmbito doméstico e externo. Tanto Modi como Bolsonaro são criticados pelo acosso à mídia e por medidas e discursos que prejudicam as minorias dos dois países, também unidos por sua diversidade étnica e social. A agricultura e o meio ambiente são campos minados para ambos os líderes. Se Bolsonaro é criticado por negar a catástrofe dos incêndios na Amazônia, a passividade de Modi diante da poluição é denunciada por ativistas que os camponeses os apoiam em protestos nacionais.
“Enfrentamos as mesmas críticas”, admitiu o embaixador brasileiro na Índia, André Aranha Correa do Lago, à televisão local. Em seguida, redirecionou a resposta ao escopo do encontro: “Nossas economias são tão profunda e tradicionalmente fechadas que, ao abri-las, descobre-se que há outros obstáculos a serem eliminados. Isso cria frustração no exterior”. Com um marcante caráter comercial, Bolsonaro visita a Índia com sete ministros e uma grande delegação de empresários que esperam assinar mais de 15 pactos com governos e instituições indianos, segundo Correa do Lago, que também afirmou que “os dois países firmarão um importante acordo sobre aceleração e proteção de investimentos ”.
Pioneiros na cooperação Sul-Sul e com agendas semelhantes no campo da parceria internacional, Índia e Brasil elevaram suas relações bilaterais a uma aliança estratégica em 2006, mas a separação geográfica e o fraco intercâmbio sociocultural entre estas duas potências regionais reduziram o alcance dos acordos. Para melhorar este aspecto, Bolsonaro aprovou a concessão de vistos gratuitos para turistas e empresários indianos, na última cúpula dos BRICs, num dos poucos resultados proveitosos do encontro multilateral realizado em novembro em Brasília. Modi correspondeu com este convite formal, durante o qual se esperam contratos importantes, especialmente em questões de energia, agricultura e defesa.
Fórum empresarial e queixa na OMC
Depois do desfile do Dia da República, Bolsonaro se reunirá com empresários de ambos os países no Fórum de Negócios Índia-Brasil para dar impulso a essas relações. O volume comercial bilateral foi de 8,2 bilhões de dólares (34 bilhões de reais) entre 2018 e 2019. Os investimentos indianos no Brasil são estimados em cerca de 6 bilhões de dólares (25 bilhões de reais), concentrados nos setores agrícola, farmacêutico, de energia, de mineração, de engenharia e de tecnologia. Já os de brasileiros na Índia são cerca de 1 bilhão (4,18 bilhões de reais), com foco na indústria automotiva, de tecnologia, de mineração e de biocombustíveis. A preocupação da Índia em matéria de energia direcionou seu interesse para o etanol brasileiro, após sanções dos EUA ao Irã e à Venezuela, o quarto maior exportador de petróleo bruto para a Índia.
Em meio à crescente polarização entre Estados Unidos, China e Rússia, as relações indo-brasileiras oferecem um horizonte para navegar sem receios das superpotências. Em 2016, o Brasil apoiou publicamente pela primeira vez a inclusão da Índia como membro do Grupo de Fornecedores Nucleares, abrindo espaço para cooperação nessa área. O Brasil tem em seu solo a terceira e a sexta reservas de urânio e tório, respectivamente. O país também tem terreno fértil para se beneficiar da cooperação técnica em questões espaciais, já que a Índia está se tornando uma plataforma de produção e lançamento de satélites, enquanto os países latino-americanos tradicionalmente dependem da especialização chinesa.
Há também terrenos escorregadios para explorar durante a visita, como os do setor agrícola, básico para a economia do Brasil e da Índia, primeiro e segundo produtor mundial de cana-de-açúcar, respectivamente. Os produtores indianos consideram inadmissível que o Brasil denuncie a Índia à Organização Mundial do Comércio pelos subsídios à produção e exportação.
Outro ponto de atenção são os protestos enfrentados por Modi. Desde o final de 2019, as grandes cidades da Índia abrigam grandes manifestações sociais contra o Governo, e as concentrações multitudinárias em Nova Délhi serão mantidas durante a visita de Bolsonaro à capital. Os manifestantes denunciam o nacionalismo hindu de Modi, acusado de discriminar os muçulmanos indianos e também criticado pela minoria cristã do país. Bolsonaro, por sua vez, representa a extrema direita aliada ao radicalismo evangélico brasileiro e coincide com o líder indiano em exibir um discurso populista nos tuítes e administrar seu país por meio de medidas que marginalizam minorias —os povos indígenas, no caso do Brasil. Uma maneira de fazer política que lhes deu vitórias eleitorais que lhes permitem levar adiante seus projetos nacionalistas conservadores. Ambos parecem apostar nos paralelismos no campo político-ideológico para driblar um certo isolamento internacional, o que também poderia ajudar a consolidar as relações econômicas em duas potências vistas há duas décadas como dominantes em suas regiões e cujas populações representam um quarto da população mundial.