Em reunião com o presidente, líderes dos nove Estados da Amazônia legal cobram plano de ação para conter avanço do desmatamento. Presidente sugere que demarcações de áreas indígenas e quilombolas prejudicam o país
Enquanto governadores dos nove Estados da Amazônia Legal cobravam pragmatismo nas ações para combater o desmatamento e os incêndios florestais, além de planejamento para os próximos anos, o presidente Jair Bolsonaro tentou usar uma reunião na manhã desta terça-feira para amplificar seu discurso anti-Macron. Com o contínuo aumento das queimadas na Amazônia (já são cerca de 80.000 focos), o presidente convocou os governadores para um encontro no qual, em tese, seriam apresentadas soluções para o tema. Mas o que ficou acertado foi a realização de uma nova reunião entre governadores e ministros e a promessa de que um pacote de mudanças legislativas será enviado ao Congresso até a próxima semana. Essas sugestões não foram detalhadas.
Essa foi a primeira vez que uma reunião da qual participaram nove governadores, o presidente, sete ministros e quatro assessores foi transmitida ao vivo pela internet nos canais pessoais do presidente, pela TV estatal e pelas redes sociais do Palácio do Planalto. Justamente um dia após uma pesquisa de opinião elaborada pela CNT/MDA mostrar que a rejeição ao seu Governo atingiu a marca de 39,5% da população.
Em duas horas e vinte minutos de conversas, Bolsonaro reclamou da proposta do presidente da França, Emanuel Macron, de internacionalizar a floresta e disse que o francês teria intenções que superam o tema ambiental. Nos últimos dias, Macron usou a reunião dos sete países mais ricos do mundo, o G7, em Biarritz, para discursar contra Bolsonaro, e acabou oferecendo doações para ajuda no combate ao incêndio, o que foi rejeitado pelo Palácio do Planalto. “Não temos nada contra o G7. Temos contra um presidente do G7, que sabemos o que ele está reverberando, qual é a sua intenção”.
Suas falas foram reforçadas por seu ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno e pelo governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM). “A França não pode dar lição a ninguém. Onde eles passaram [como colonizadores] deixaram rastro de destruição, confusão e miséria. Eles não podem dar esse tipo de conselho a ninguém. Isso é molecagem”. O mato-grossense reclamou da batalha comercial que se aproxima com as queixas do presidente francês. “Essa guerra de comunicação que está sendo patrocinada pelos nossos principais concorrentes internacionais. O senhor Macron está surfando nas cinzas da Amazônia”.
Já Hélder Barbalho (MDB), governador do Pará, e Flávio Dino (PCdoB), se queixaram dos debates extremistas dos últimos dias. “Estamos perdendo muito tempo com o Macron. Temos de cuidar da nossa vida”, afirmou Barbalho. “Acho fundamental que façamos sempre um discurso ponderado. Quando se solta uma faísca nos níveis hierárquicos mais altos, quando vai chegando ao chão da realidade, pode se transformar em um incêndio”, acrescentou Dino.
Quem ficou no meio do termo, foi o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC). “Não temos tempo para discutir quem falou o quê ou quem deixou de falar. Mas também não aceitamos qualquer insinuação de internacionalização da Amazônia”.
Grilagem e indígenas
Quase todos os governadores reclamaram da ausência de projetos para reduzir a grilagem de terras e a de incluir as comunidades locais, como indígenas, nos planos federais. “Temos de pensar em médio e longo prazo”, alertou o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT).
No encontro, ao menos quatro dos nove governadores cobraram o presidente sobre o uso do Fundo Amazônia, uma doação de 288 milhões de reais anuais feito principalmente pela Noruega e pela Alemanha para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) cujo destino final era ampliar a fiscalização na floresta. “Não podemos abrir mão do fundo. Não podemos rasgar dinheiro”, ressaltou o maranhense Flávio Dino (PCdoB). O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, começou a responder aos mandatários que um novo planejamento para o uso dos recursos estava sendo traçado. Mas Bolsonaro sugeriu que esse dinheiro tinha condicionantes para ser usado. “O Fundo Amazônia tem um preço: demarcações de terras indígenas, apas [áreas de proteções ambientais], [áreas] quilombolas, parques nacionais, etc. Isso leva um destino que já sabemos, a insolvência do Brasil”, afirmou o presidente. Na sequência, alegou que caso se dobrasse às potências internacionais, o problema do incêndio estaria resolvido. “Se eu demarcar agora, o fogo acaba na Amazônia em alguns minutos, com certeza”.
Nos últimos dias, em suas redes sociais, o presidente afirmou que na reunião com os governadores, ele apresentaria “a verdade sobre o que os outros querem com essa rica região”. No encontro, contudo, o único dado apresentado por ele foi um balanço sobre a quantia de pedidos de demarcações de áreas indígenas e áreas quilombolas nos nove Estados da Amazônia legal.
Segundo Bolsonaro, há 936 pedidos em trâmite final para quilombolas e 54 para reservas indígenas. Conforme o presidente, se esses pedidos de novas demarcações prosperassem, o agronegócio ficaria inviabilizado. “E se acabar o nosso agronegócio acabou a nossa economia. Vamos ficar aqui como naquela casa em que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Nesta quarta-feira, representantes dos nove Estados estarão com ministros do Governo para tentar dar início aos debates sobre o uso do Fundo Amazônia e sobre as próximas ações no combate ao incêndio.