El País: Fux suspende juiz de garantias e instala batalha no Supremo e com Congresso

"Transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa”, argumenta o ministro do STF. Presidente da Câmara lamenta decisão “desrespeitosa”.
Foto: NELSON JR./SCO/STF
Foto: NELSON JR./SCO/STF

“Transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa”, argumenta o ministro do STF. Presidente da Câmara lamenta decisão “desrespeitosa”

Após ser aprovada, sancionada e adiada, a criação do juiz de garantias foi, enfim, suspensa por tempo indeterminado nesta quarta-feira. O ministro Luiz Fux, atualmente vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu paralisar a implantação da inovação, revogando decisão liminar da semana passada do presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, que havia dado seis meses de prazo para a entrada em vigor da medida. “Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas”, argumentou o ministro. Sua decisão agradou o ministro da Justiça, Sergio Moro, mas contrariou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e reaviva a tensão entre os poderes Legislativo e Judiciário.

O despacho de Fux, que é relator de quatro ações que tratam do assunto, foi expedido dias após ele ter assumido o comando interino do Supremo —que está em recesso— no lugar de Toffoli. O vice-presidente do Supremo derrubou liminar que havia sido concedida pelo presidente da Corte sobre o tema. “O resultado prático dessas violações constitucionais [como o ministro classifica as medidas aprovadas pelo Congresso Nacional] é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa”, escreve Fux em sua decisão.

A figura do juiz de garantias está prevista no pacote anticrime aprovado pelo Congresso Nacional ―recentemente sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro― apesar de sugestão em contrário do ministro da Justiça, Sergio Moro, que já tinha se posicionado contra a medida. Ela estabelece que o juiz responsável por instruir e conduzir um inquérito criminal não será o mesmo que julgará o processo criminal do mesmo caso. “Sempre disse que era, com todo respeito, contra a introdução do juiz de garantias no projeto anticrime”, escreveu Moro nesta quarta em seu perfil no Twitter.

“Cumpre, portanto”, segue o ministro, “elogiar a decisão do Min Fux suspendendo, no ponto, a Lei 13.964/2019. Não se trata simplesmente de ser contra ou a favor do juiz de garantias. Uma mudança estrutural da Justiça brasileira demanda grande estudo e reflexão. Não pode ser feita de inopino. Complicado ainda exigir que o Judiciário corrija omissões ou imperfeições de texto recém-aprovado, como se fosse legislador positivo. Excelente ainda a ideia de realização de audiências públicas na ação perante o STF, o que na prática convida a todos para melhor debate”, finalizou Moro, destacando como Fux pretende reabrir o debate legislativo, desta vez no âmbito jurídico.

“Desnecessária e desrespeitosa”

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, protestou. “Acho que a decisão do ministro Fux é desnecessária e desrespeitosa com o Parlamento brasileiro e com o Governo brasileiro, com os outros Poderes”, disse ao jornal Folha de S.Paulo. “Não podemos entrar em fevereiro com uma boa expectativa de crescimento, com o STF dando uma sinalização muito ruim para o Brasil e para os investidores estrangeiros no nosso país”, reclamou o presidente da Câmara. Segundo Maia, contudo, “o principal atacado hoje” pela decisão de Fux foi Dias Toffoli. “Eu confio no STF, confio nos seus ministros e confio principalmente na presidência do presidente Dias Toffoli, que na sua volta [do recesso] eu tenho certeza de que vai restabelecer a normalidade na relação de equilíbrio entre os Poderes”, finalizou Maia.

Na decisão em que derrubou a liminar de Toffoli, Fux disse que é preciso esperar uma análise do plenário do Supremo sobre o caso. “Nesse ponto, salvo em hipóteses excepcionais, a medida cautelar deve ser faticamente reversível, não podendo produzir, ainda que despropositadamente, fato consumado que crie dificuldades de ordem prática para a implementação da futura decisão de mérito a ser adotada pelo tribunal, qualquer que seja ela”, escreveu. “A essência desta corte repousa na colegialidade de seus julgamentos, na construção coletiva da decisão judicial e na interação entre as diversas perspectivas morais e empíricas oferecidas pelos juízes que tomam parte das deliberações. Por isso mesmo, entendo que a atuação monocrática do relator deve preservar e valorizar, tanto quanto possível, a atuação do órgão colegiado”, completou.

Não é a primeira vez que o STF suspende e se debruça sobre uma legislação aprovada pelo Congresso Nacional, mas a nova tensão vem em um momento em que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário iam conseguindo pacificar uma relação bastante conturbada nos último meses. Maia lembrou nesta quarta-feira que foi Toffoli o responsável por essa pacificação.

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