El País: “Ficou difícil para a oposição se opor à reforma da Previdência”, diz Marcelo Ramos

Presidente da comissão que avalia o projeto de mudança nas aposentadorias critica governo Bolsonaro e diz que a Câmara "carregou nas costas todas as etapas do projeto".
Foto: Agência Câmara
Foto: Agência Câmara

Presidente da comissão que avalia o projeto de mudança nas aposentadorias critica governo Bolsonaro e diz que a Câmara “carregou nas costas todas as etapas do projeto”

Presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência, o deputado amazonense Marcelo Ramos, de 45 anos, é uma espécie de camaleão político. Já esteve em dois partidos que fazem oposição ao Governo Jair Bolsonaro (PSL), o PCdoB e o PSB. Trabalhou no Ministério dos Esportes no Governo Lula da Silva, foi vereador, deputado estadual e candidato derrotado à prefeitura de Manaus e ao Governo do Amazonas. Desde que foi eleito deputado federal pelo PL, contudo, decidiu não transitar nos extremos políticos. Afirma querer ser um conciliador em busca de certo protagonismo nacional.

Nesta semana, Ramos conseguiu um feito incomum: entrou em acordo com os opositores à reforma para que eles não obstruíssem o andamento dos trabalhos na fase de debates do relatório. A obstrução é um artifício do regimento da Câmara usado para atrasar votações ou discussões, como  pedidos de adiamentos ou de leitura de atas. A leitura do relatório, feito por Samuel Moreira (PSDB-SP), ocorre na manhã desta quinta-feira. A estimativa é que a votação do documento na comissão deva ocorrer após o dia 25 de junho. E, no plenário da Câmara, na primeira ou segunda semana de julho.

Na entrevista que concedeu nesta quarta-feira a EL PAÍS, Ramos disse que pontos polêmicos do projeto enviado ao Congresso por Jair Bolsonaro —como retirar a Previdência da Constituição, instituir um sistema de capitalização, alterar aposentadorias rurais e o benefício de prestação continuada— deverão ficar de fora do relatório de Moreira, conforme acordado com as lideranças partidárias. Por essa razão, o discurso dos opositores contra a nova Previdência cairia por terra.

Pergunta. Você é a favor da reforma da Previdência? Por quê?
Resposta. Defendo a reforma da Previdência porque entendo que nenhum país é sustentável se o Estado não cabe dentro do Orçamento. A Constituição de 1988 criou um Estado muito maior do que o orçamento. De lá pra cá, o Estado só cresceu e o Orçamento não cresce na mesma proporção, criando um absurdo desequilíbrio das contas públicas de um Estado que gasta mais do que arrecada. Para enfrentar esse problema, temos três caminhos: um é pensar só na nossa geração e comprometer o futuro das próximas gerações, acho que não é um bom caminho; o segundo seria aumentar imposto, para aumentar o tamanho do Orçamento, mas o Brasil não aguenta mais imposto. Portanto, só sobra um caminho responsável que é o de cortar despesa, e a Previdência é uma dessas despesas porque ela paga em benefício muito mais do que arrecada em contribuições. Penso que esse é um desafio inicial para equilibrar as contas públicas e para que o país tenha estabilidade econômica.

P. De que maneira os vazamentos envolvendo o ministro Sergio Moroimpactaram no Legislativo? Podem atrapalhar a tramitação da reforma?
R. Entendo que a pauta econômica tem de ser blindada. Tenho feito todo esforço para isso. Não é justo que o investidor que quer segurança para investir no Brasil, o empresário que está preocupado com o negócio dele diante dessa grave crise econômica, o trabalhador que está com medo de perder o emprego, sejam responsabilizados pelas crises políticas. A despeito da gravidade dos acontecimentos, esses vazamentos envolvendo o ministro não devem contaminar a reforma da Previdência.

P. Sobre a comissão da reforma, qual é o procedimento que foi acordado com as lideranças para a análise do relatório?
R. Na quinta-feira será feita apenas a leitura. Nas próximas quatro ou cinco sessões, a depender do número de inscritos, não haverá obstrução por parte da oposição desde que o Governo não tente encerrar as discussões —que é uma possibilidade regimental. Então, todos que se inscreverem, terão direito à fala. Isso vai prolongar um pouco o tempo do debate, mas não teremos aquela obstrução que ridiculariza o Parlamento, que é a obstrução de leitura de ata, de uma hora discutindo a leitura da pauta. Vamos evitar um constrangimento para o parlamento, mas teremos uma discussão de mérito, em que os parlamentares dirão se são a favor ou contra um tema tão sensível. Ganha a sociedade, ganham os parlamentares e a Câmara, que dará um sinal da maturidade à sociedade, que vai discutir uma matéria polêmica, sem baixaria.

P. Você confia que será realmente assim?
R. Sim, absolutamente. Tem sido assim até pelo voto de confiança que os deputados têm dado a minha condução, que tenho procurado ser equilibrado e democrático. Acho que temos um clima de confiança e um clima mais sadio para debater essa matéria.

P. Essa reforma da maneira como tem sido alterada, ainda é a reforma do Governo?
R. Hoje ela tem muito mais a cara da Câmara, porque foi a Câmara que carregou nas costas todas as etapas desse projeto.

P. Por que faz essa avaliação?
R. Porque o Governo tem muita dificuldade no trato com o Parlamento. Há um desapreço grande com as instituições democráticas, o que é da trajetória política do presidente Bolsonaro. Isso reflete na forma como ele enxerga os outros Poderes. Ele acha que porque teve 57 milhões de votos pode fazer tudo sem ouvir ninguém. O presidente e parte de sua base não conseguem perceber que tão legitimado quanto ele está o Parlamento. Talvez, o Parlamento esteja ainda mais legitimado porque representa também as minorias que perderam a eleição. E o país é um país de todos, não só dos eleitores do Bolsonaro.

P. Chama a atenção essa falta de apreço após 28 anos de mandatos na Câmara?
R. Ele ficou 28 anos às custas do Parlamento defendendo que o Parlamento fechasse, defendendo ditadura. Então, não é de se estranhar. Uma coisa você não pode negar: ele é coerente. Coerente com as teses dele, que na minha opinião, contrariam o avanço civilizatório. E há duas questões que há um acordo para retirar do relatório que eram os pilares da proposta do ministro Paulo Guedes: a capitalização e a desconstitucionalização da Previdência. Tirando isso, a reforma perdeu a lógica do que o Governo queria.

P. E Benefício de Prestação Continuada (BCP) e dos trabalhadores rurais. Estarão fora da proposta?
R. Vão cair porque 14 partidos já se manifestaram contra.

P. Estados e municípios, seguem na proposta?
R. Pelo que vem sendo costurado, não. Estados e municípios saem do relatório para que não haja tensão na aprovação do relatório na comissão. Mas, no Plenário, deverá haver um destaque para incluir novamente os Estados e municípios. Aí, vai à votação e tem de conseguir 308 votos.

P. Mas os 27 governadores estavam pedindo para ficar. Isso não é levado em conta?
R. Eles pediram para ficar. Agora está havendo uma atitude mais colaborativa, diferente da atitude atrapalhada que tiveram no início, de tentar enquadrar o Parlamento. O problema é que isso ainda gera tensões entre os deputados por conta de questões regionais. Por isso, a comissão vai votar o relatório sem Estados a municípios. Não poderíamos correr o risco de derrubá-lo por esses tópicos.

“O Governo tem muita dificuldade no trato com o Parlamento. Há um desapreço grande com as instituições democráticas”

P. Vocês contam com votos da oposição para aprovar a reforma?
R. Acho que ficou difícil para os opositores manterem o nível de oposição que faziam à proposta. Durante todo o processo a oposição atacou as propostas que tratavam do BPC, trabalhadores rurais, da idade dos professores, desconstitucionalização e capitalização. São cinco itens que tendem a cair. Ou a oposição vai ter de aprovar a proposta ou vai ter de criar uma nova narrativa para se dizer contra. Todos os tópicos arguidos por ela durante o processo de debate devem ser modificados no relatório, conforme foi acordado.

P. E qual é a previsão de economia?
R. Não tenho certeza. Mas acho que chega de 850 bilhões a 900 bilhões. Tirando rurais, professores e BPC, ainda chega a 1,1 trilhão de reais. O Governo esperava 1,240 trilhão. Você tem uma regra de transição que deve ter um custo no regime geral da Previdência, e o resto no regime próprio. Acho que é possível chegar em 850 bilhões. No fundo, vamos entregar para o Governo mais do que ele queria. Na proposta do Governo, teria um custo de 400 bilhões como custo de transição da capitalização. O país vai receber mais do que o Governo pediu.

P. Você tem se queixado da postura do Governo, em vários momentos. Quais são suas principais críticas?
R. A principal é a falta de uma agenda. Você ganha uma eleição negando alguma coisa, mas não governa negando alguma coisa. Para governar você tem de ter uma agenda para o país, e esse Governo não tem. Fora o desapreço pelas instituições e pelas regras democráticas.

P. Em algum momento o Governo consegue mudar essa situação?
R. Acho que é difícil porque é da formação pessoal e de visão do mundo do presidente Bolsonaro. Mas acho que é possível. Eu comparo esse primeiro momento do Governo Bolsonaro com o primeiro momento do Governo Lula. No seu primeiro ano o Lula estava refém dos radicais à esquerda e ele só começou a governar quando tirou o pessoal e deu uma guinada ao centro. Se quiser governar, o Bolsonaro terá de se afastar desses radicaloides conservadores dele, não são liberais, e dar uma guinada a um diálogo melhor com o centro. Acho que, em algum momento, vai viver isso. Se não viver, vai ser um Governo de crises eternas.

P. Em algumas áreas, há quem aponte avanços. Infraestrutura é um deles. O senhor discorda dessa análise?
R. O Governo tem um estalo de lucidez em infraestrutura, não tem como não reconhecer isso, a despeito de eu não ter uma boa relação com o ministro Tarcísio [Freitas]. Ele é alguém que sabe o que quer. A economia tem um plano, apesar de eu discordar de muitas coisas.

P. Do que discorda na economia?
R. De vários aspectos. Eu torço para o Brasil ser o primeiro case de sucesso da escola de Chicago porque em todo lugar que ela passou, deu errado. Paulo Guedes talvez seja um dos últimos que ainda estão apegados àquela linha tradicional da escola de Chicago. Todo mundo a abandonou. O criador disso, o Milton Friedman, fez uma crítica a ela já no fim de sua vida. Nas outras áreas, não tem plano, não tem rumo, como diz na minha terra, não tem quilha, que é aquele negócio que orienta o barco. Você não pode governar o país sem ter uma agenda para a educação. Se tem um lugar que o Governo não tem agenda é na educação. Você não tem um Governo de metas. Quantos empregos serão gerados até o fim do ano? Quanto vai crescer o PIB? Quantos vamos tirar da linha da pobreza? Quantos mestres e doutores vamos formar? Quanto vamos crescer no PISA? Não tem. É um Governo sem plano de voo.

P. Na comissão, tem se pautado pela agenda do Rodrigo Maia, o presidente da Câmara?
R. Desde que eu iniciei os trabalhos, sempre trabalhei com as metas e o calendário definidos por ele. Como ele sempre verbalizou o objetivo de votar em julho, eu sempre organizei meus trabalhos para entregar para ele no final de julho. Os passos são coordenados com ele, mas ele tem me dado autonomia absoluta.

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