Análise da interação no Twitter mostra impacto do caso envolvendo Flávio e reação da família. Crise precoce e opinião pública em desalinho com pauta mais radical aumenta dependência da economia
Eleito com 55,2 milhões de votos, o presidente Jair Bolsonaro enfrenta em seu primeiro mês no poder uma crise precoce com as suspeitas sobre as movimentações financeiras de seu filho e senador eleito, Flávio Bolsonaro. O escândalo, que ganhou novo fôlego na semana passada, já acendeu um alerta na principal trincheira comunicacional do clã –as redes sociais–, ainda que seja cedo, segundo os analistas, para sugerir o fim da lua de mel do novo ocupante do Planalto com o eleitorado.
Análise da consultoria AP/Exata sobre a movimentação no Twitter mostra o impacto das acusações contra Flávio provocam: agitaram opositores e provocaram mal-estar nos apoiadores do presidente. Na semana entre os dias 14 e 21 de janeiro, as menções negativas a Bolsonaro superaram as positivas e chegaram a seu auge na sexta-feira, 18, um dia depois da divulgação de que o filho do presidente foi ao Supremo Tribunal Federal pedir o congelamento das investigações que envolvem o ex-assessor e amigo da família Fabrício Queiroz , reivindicando o foro privilegiado que terá a partir de fevereiro —um expediente legal que a família Bolsonaro sempre criticou.
Eleito com um estridente discurso de combate à corrupção, Bolsonaro viu as plataformas digitais se povoarem com questionamentos e pedidos de explicação. Pela primeira vez desde a posse, o levantamento da AP/Exata mostrou que as menções negativas do termo Bolsonaro superaram as positivas por quatro dias seguidos, coincidindo com as novas revelações do caso no fim de semana, como o rastro de depósitos suspeitos na conta do próprio Flávio Bolsonaro. “Depois das entrevistas de Flavio, no domingo, nas TVs, a polaridade positiva associada ao termo Bolsonaro volta a crescer”, diz Sergio Denicoli, diretor da empresa de análises, que explica que a aparição pública deu argumentos aos defensores para se posicionarem.
A dinâmica da reação mostra a faca de dois gumes de ter as redes sociais como ponta de lança. As plataformas digitais exigem um fluxo constante de interação. “Quanto menos eles falam, mais perdem capital. Por isso, a pressa em sanar os impactos negativos acabam por deixá-los expostos”, segue Denicoli.
Nesta terça-feira, houve nova batalha de hashtags no Twitter medindo a força dos grupos pró e contra o Governo, em meio à repercussão do breve discurso de Jair Bolsonaro na abertura do Fórum Econômico Mundial em Davos. Nos grupos pró-Bolsonaro no WhatsApp também há a preocupação de produzir respostas claras para o caso Queiroz. O movimento convive com um chamado para concentrar forças para derrotar a candidatura de Renan Calheiros (MDB-RN) ao comando do Senado, numa tentativa de reedição da mobilização contra a “velha política” estimulada na campanha.
A fotografia do bolsonarismo ‘radical’ e ‘light’ no Datafolha
Fora da corrida em tempo real das redes sociais, o bolsonarismo encara sua primeira crise no poder com uma situação de opinião pública mista. Por um lado, Bolsonaro conta com o otimismo recorde da população em relação à situação econômica. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em dezembro, nada menos do que 47% dos brasileiros dizem acreditar que o desemprego irá diminuir nos próximos meses, uma taxa que representa um salto de 28 pontos percentuais na comparação com agosto passado (19%). Outros índices de percepção econômica têm a mesma alta positiva.
Por outro lado, o mesmo Datafolha mostrou que falta consenso na maioria do eleitorado em torno das propostas mais controversas do novo presidente. Há duas semanas, o instituto divulgou a primeira pesquisa a medir a inserção do bolsonarismo na sociedade, que consultou os brasileiros sobre as 13 principais teses defendidas pelo presidente nos seus discursos, entre elas a ampliação posse de armas, a flexibilização das regras ambientais e a restrição a novas demarcação das terras indígenas. Com base nas respostas, identificou três grupos de bolsonaristas: heavy (ou intensos, são os que concordam com pelo menos 9 das 13 teses e representam 14% da população brasileira,), medium (ou medianos, concordam com 5 a 8 teses e representam 55% da população) e light(ou leves, são os 31% da população que defendem no máximo quatro teses do presidente).
“Percebemos que a maioria da população rejeita a maior parte dos temas. A principal atitude do presidente até agora foi o decreto das armas, mas os brasileiros não concordam com essa liberação, 68% discordam dela. Então Bolsonaro está priorizando nas primeiras semanas uma agenda que é a dos seus eleitores mais fiéis, que são 14%, e se esquecendo das maiorias. Isso pode dar um descompasso entre o representante e seus representados”, avalia o diretor do Instituto Datafolha, Mauro Paulino.
A divergência entre a maioria do eleitorado e as posições do presidente acabaram de eleger não surpreende o professor da Universidade de Brasília (UnB) Rodolfo Teixeira (UnB). “A população ficou muito mal informada durante a campanha porque o programa do presidente era sucinto, com muitos chavões que não aprofundavam os temas. Não me surpreende não esteja alinhada com a agenda do atual presidente. O Brasil é conservador, mas há tópicos da agenda que são bastante questionáveis e pouco factíveis”, diz. O professor cita como exemplo a viabilidade de implantar em curto prazo propostas como a Escola sem Partido. “O que de fato ele pode fazer para federalizar isso? Será que vai conseguir tanta gente alinhada com esse pensamento para fazer a avaliação dos professores?”, questiona.
Em três semanas de mandato, além da facilitação do acesso às armas e do combate ao que chama de “doutrinação marxista nas escolas”, Bolsonaro pouco falou sobre saúde, área considerada prioritária por 40% dos brasileiros e que enfrenta hoje o desafio de preencher mais de 1.400 vagas deixadas pelos cubanos do Programa Mais Médicos. Tampouco anunciou medida econômica de impacto, mas Teixeira aposta que é justamente na seara econômica que a relação do Governo com a opinião pública e com o próprio Congresso vai se definir. “A economia é o que vai preponderar. No meu entender, Bolsonaro tem de seis meses a um ano para mostrar melhoras significativas na economia. E vai ter problemas para lidar com questões como a reforma trabalhista, a reforma da Previdência, as privatizações. A população está mais atenta ao tamanho do Estado e ao que ele se propôs a fazer, que é reduzir o gasto público”, explica.
A favor do presidente está a boa popularidade e a “lua de mel” com o Congresso Nacional, comum nos primeiros meses de mandato, tudo agora a ver quanto dura a depender da extensão e do do impacto do caso Queiroz. Seja como for, analisar a relação que começa a se desenhar com os parlamentares não é simples, já que nesta legislatura se estabelecem novas formas de interação. Primeiro porque o Governo tem sinalizado por um diálogo com as bancadas temáticas e não mais com os partidos políticos, o que retira poder das lideranças partidárias. Segundo porque, a partir de fevereiro, Bolsonaro lidará com um Congresso bastante renovado, onde os partidos tradicionais perdem forças e ganham espaço parlamentares de primeira viagem.
Nada menos do que 102 políticos eleitos para a Câmara assumem na semana que vem seu primeiro mandato na vida pública enquanto 147 assumem pela primeira vez o posto de deputado federal. Juntos, representam quase a metade das vagas da Casa. “O Poder Executivo costuma ter mais força que o Legislativo quando ele é preponderado por novatos. A gente tem que ver como a pressão do Executivo vai se dar”, pondera Teixeira. Segundo o especialista, o novo Congresso também será marcado por representantes de ideias mais “extremas” de direita e de esquerda. “Há candidaturas coletivas bem sucedidas com pautas mais progressistas, de esquerda. E temos uma direita com mais militares, religiosos e pessoas com perfil mais conservador. Isso certamente vai ter impacto na forma que o Congresso vai lidar com o presidente”, diz.