Integrantes do partido repetem mantra pouco crível, o da separação entre o presidente e sua prole, enquanto Joice Hasselmann ameaça denunciar clã na CPI das ‘Fake News’
Quando prestou concurso público para escrivão da Polícia Federal, o então bacharel em direito Eduardo Bolsonaro passou por um teste de aptidão física no qual era obrigado a correr pelo menos 2.350 metros em 12 minutos. Nessa terça-feira, deputado em segundo mandato e recém-empossado como líder do PSL na Câmara dos Deputados, o filho 03 do presidente da República, Jair Bolsonaro, parecia estar fazendo novamente o teste. Vestindo terno, gravata e sapatos social, correu 300 metros em cerca de 40 segundos, uma marca digna do concurso. Cercado por seus seguranças, ele fugia de um grupo de jornalistas que queria questioná-lo sobre a confusão de seu partido que já dura duas semanas.
A estranha fuga de Eduardo em um espaço público foi registrada pelo site Congresso em Foco. Após notar que estava dando munição aos seus inimigos internos, como o líder deposto Delegado Waldir (PSL-GO), e amplificando a bagunça peesselista – que já teve áudios vazados, suspensões de parlamentares, xingamentos pela imprensa e pelas redes sociais – Eduardo decidiu atender aos jornalistas. Disse que, se ele optar por seguir na liderança do PSL, excluirá sua indicação para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Eduardo falou que esse era o momento de apaziguar a legenda. Não mais se alongou.
Já no fim da noite, voltou a se manifestar. Dessa vez, na tribuna da Câmara, onde anunciou que desistiu de ser embaixador em Washington. Por sete minutos, leu um texto no qual justificava que precisava ficar no Brasil para ajudar a manter viva a onda conservadora que o elegeu como o deputado federal mais votado do país, assim como seu pai. “Faço questão de vir aqui na tribuna, local de trabalho confiado a mim por 1.843.735 eleitores fazer um comunicado que vai decepcionar os que torciam para a minha ida para os Estados Unidos, achando que assim eu ficaria distante da vida política no Brasil”, disse.
Na tribuna, Eduardo decretou o seu dia do “fico” — que também pode ser lido como uma saída honrosa para não ter de enfrentar um revés no Senado para a aprovação posto nos EUA, algo visto como cada vez mais remoto, por causa da falta de base do Governo e, agora, por causa do quiprocó no PSL. Reclamou de ter sido vítima de chacota por ter trabalhado em restaurantes nos Estados Unidos. Opositores e militantes das redes sociais o chamavam de “embaixapeiro”, por ter declarado que já havia trabalhado em lanchonetes dos EUA. “Este que aqui vos fala, filho de um militar do Exército brasileiro e deputado federal, que foi zombado por ter tido aos 20 anos de idade um trabalho honesto em restaurantes nos estados americanos do Maine e do Colorado, diz que fica no Brasil para defender os princípios conservadores. Para fazer do tsunami que foi a eleição de 2018 uma onda permanente”.
Longo caminho
No PSL, a paz, no entanto, está distante de ocorrer. Em reunião extraordinária da cúpula do PSL, o presidente da legenda, Luciano Bivar, decidiu abrir um processo de suspensão de 19 deputados. Entre eles, Eduardo Bolsonaro e o líder do Governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). O argumento é infidelidade partidária. Os casos serão analisados pelo Conselho de Ética do partido.
O processo só não caminhou porque o grupo de bolsonaristas, que faz oposição a ala pró-Bivar, conseguiu uma liminar no Supremo Tribunal Federal para paralisar o caso. Nesse meio tempo, os apoiadores de Bivar e de Waldir ainda tentam coletar assinaturas para destituir Eduardo da liderança. Antes disso, o presidente da sigla já havia destituído os presidentes dos diretórios regionais do Rio de Janeiro (Flávio Bolsonaro), de São Paulo (Eduardo Bolsonaro) e do Distrito Federal (Bia Kicis).
“Eu não criei esse clima de implosão, quem criou foi o presidente da República. É um tsunami que ele criou. Cabe a ele tentar cessar. Nesse momento ainda existe uma grande divisão, como água e óleo”, reclamou o deposto Waldir. Enquanto o ex-líder falava com jornalistas, ouvia piadas, convites e provocações de deputados que passavam por um dos corredores da Câmara. “Vem pro MDB, Waldir. Aqui cabe todo mundo”, disse um dos parlamentares. “Sai daqui seu traíra. O líder é o Eduardo”, gritou um assessor de um bolsonarista.
Em viagem oficial de 12 dias pela Ásia, o presidente Jair Bolsonaro levou a crise junto com ele. Quando questionado na segunda-feira sobre a confusão de seu partido, disse: “O bem vai vencer o mal”. É algo semelhante ao que ele dizia em sua campanha eleitoral. Mas, naquela época, o que ele considerava o mal eram os petistas e outros políticos de esquerda. Agora, são alguns de seus aliados, que se elegeram sob o seu guarda-chuva, são os “malvados”.
Na terça-feira, após uma reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente da Câmara, deu de ombros à briga do PSL. “Se eles vão continuar disputando a liderança ou não esse é um problema do PSL. Vim aqui também com o objetivo de deixar claro que nós continuamos com a nossa agenda de modernizar a Câmara, de modernizar o Estado brasileiro, fazer esse país voltar a crescer e reduzir desigualdades”, disse.
Apesar dos ânimos exaltados, na prática, o racha peesselista ainda não trouxe resultados negativos para o Governo. Ao longo das últimas duas semanas, alguns dos membros do grupo pró-Bivar disseram que não são obrigados a votar conforme a orientação governista. Na primeira votação no plenário, todos os 46 deputados do PSL que estavam presentes na sessão seguiram a orientação da nova liderança. Sete deputados estavam ausentes. Ou seja, a onda de traição interna que resultou também na deposição da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do Governo no Congresso, ainda não chegou ao plenário. Alvo de achaques na Internet, Joice mira suas acusações para o deputado Eduardo Bolsonaro e seus irmãos, a quem acusa de liderar uma “milícia virtual” com apoio de assessores. Questionada se falaria contra seus correligionários na CPMI das Fake News, ela respondeu no Programa Roda Viva, da TV Cultura: “Estou disposta”. Ao UOL, depois, afirmou que também levaria seus relatos à Comissão de Ética da Câmara.
“O PSL vai passar por esse momento de crise, separando o joio do trigo”, disse o líder do partido no Senado, Major Olímpio Gomes. Ele é um dos que defendem a expulsão dos filhos do presidente da legenda, mas torce para que o próprio Jair Bolsonaro fique. É um mantra que muitos repetem, mas que não parece crível: a separação do presidente da prole politica que ele cuidadosamente construiu ou mesmo que os filhos ajam sem endosso do pai. “Os filhos atrapalham em tudo o Governo”. Ao que parece, a novela que envolve desentendimentos públicos e fugas da imprensa no único partido que se declara como membro da base governista está longe de terminar.