Empresa ganha dinheiro incentivando usuários a fornecerem seus dados, que são usados de maneira muito diferente do que se espera. Mas a solução não é isolar-se
Por Por Denise Anthony e Luke Stark
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É hora de renunciar às redes sociais? Muita gente está pensando nisso depois das revelações sobre o uso questionável, por parte da Cambridge Analytica, dos dados pessoais de mais de 50 milhões de usuários do Facebook para apoiar a campanha de Donald Trump, isso sem falar de problemas como roubo de dados, trolls, assédio, proliferação de notícias falsas, teorias conspiratórias e botsrussos.
O verdadeiro problema social pode ser o modelo de negócios do Facebook. Assim como outras plataformas de redes sociais, a empresa ganha dinheiro incentivando os usuários a fornecer seus dados (sem entender as possíveis consequências) e utilizando esses dados de maneira muito diferente do que se poderia esperar.
Como pesquisadores das redes sociais e do impacto das novas tecnologias na sociedade, tanto no passado como no presente, compartilhamos dessas preocupações. No entanto, ainda não estamos prontos para renunciar à ideia das redes sociais. Uma das principais razões é que, como todos os meios que em algum momento foram “novos” (desde o telégrafo até a Internet), as redes sociais se tornaram um canal fundamental de interação com outras pessoas. Acreditamos que não é razoável dizer aos usuários que a única possibilidade que têm para evitar a exploração é isolar-se. Além disso, para muitas pessoas em situação vulnerável, incluídos os membros de comunidades pobres, marginalizados ou ativistas, sair do Facebook é simplesmente impossível.
À medida que as pessoas e a sociedade em seu conjunto compreendem melhor o papel que as redes sociais desempenham na vida e na política, perguntam-se se é possível – ou se vale a pena – confiar no Facebook.
Design atraente
Naturalmente, as plataformas de redes sociais não existiriam sem seus usuários. O Facebook cresceu desde suas origens, quando só era útil para estudantes universitários aproveitando o efeito de rede: se todos os seus amigos estão socializando pelo site, você ficará tentando a se juntar a eles. Com o passar do tempo, esse efeito de rede tornou o Facebook não só mais valioso, mas também mais difícil de abandonar.
Os usuários erraram ao confiar no Facebook desde o começo? Infelizmente acreditamos que sim
Entretanto, agora que o Facebook e empresas do tipo estão na mira, esses efeitos de rede podem ter o resultado contrário: o número de usuários ativos do Facebook continuou aumentando em 2017, mas nos três últimos meses do ano, seu crescimento deu sinais de desaceleração. Se todos os seus amigos deixarem o Facebook, é possível que você também faça o mesmo.
O design atraente das plataformas de redes sociais como o Facebook – e muitos outros aplicativos habituais, como o Uber – é proposital. Alguns especialistas chegam inclusive a qualificá-lo como “viciante”, mas o uso do termo de maneira tão geral neste contexto nos incomoda. Os designers digitais manipulam o comportamento dos usuários com um amplo leque de elementos de interconexão e estratégias de interação, como os avisos e o desenvolvimento de hábitos e rotinas, para manter a atenção dos usuários.
A atenção é a base do modelo de negócio das redes sociais porque vale dinheiro: o teórico dos meios de comunicação Jonathan Beller aponta que a “atenção humana gera valor”.
Enganar os usuários
Para atrair os usuários, para fazer que participem e garantir que vão querer voltar, as empresas manipulam os detalhes das interconexões visuais e a interação entre os usuários. O Uber, por exemplo, mostra aos clientes carros-fantasma para levá-los a acreditar que há condutores perto. A empresa de compartilhamento de veículos utiliza truques psicológicos parecidos quando envia mensagens de texto aos condutores para incentivá-los a continuarem ativos.
Essa manipulação é especialmente eficaz quando os desenvolvedores de aplicativos criam, para os usuários, opções automáticas que interessam à empresa. Por exemplo, algumas políticas de privacidade fazem os usuários optarem por não compartilhar seus dados pessoais, enquanto outras permitem que os usuários optem por compartilhá-los. Essa decisão inicial afeta não só que tipo de informação os usuários acabam revelando, mas também a confiança geral na plataforma digital. Algumas das medidas anunciadas pelo CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, como resultado das revelações da Cambridge Analytica – entre as quais se incluem ferramentas que mostram aos usuários que terceiras partes têm acesso a seus dados pessoais – podem complicar o design do site e desanimar ainda mais os usuários.
Marcos de confiança
Os usuários erraram ao confiar no Facebook desde o começo? Infelizmente acreditamos que sim. As empresas de redes sociais nunca foram transparentes sobre quais são suas intenções com relação aos dados dos usuários. Sem uma informação completa sobre o que acontece com seus dados pessoais, recomendamos às pessoas que não confiem nas empresas enquanto não estiverem convencidas de que deveriam fazê-lo. Não existe atualmente uma norma, ou um organismo independente, que garanta que as empresas de redes sociais são confiáveis.
Essa não é a primeira vez que as novas tecnologias criaram uma mudança social que altera os mecanismos estabelecidos de confiança. Por exemplo, durante a revolução industrial, as novas formas de organização como as fábricas e as mudanças demográficas importantes derivadas das migrações aumentaram o contato entre pessoas desconhecidas e entre culturas. Isso modificou as relações estabelecidas e obrigou as pessoas a fazerem negócios com comerciantes desconhecidos.
Para muitas pessoas vulneráveis, como membros de comunidades pobres, marginalizados ou ativistas, sair do Facebook é simplesmente impossível
As pessoas já não podiam depender da confiança interpessoal. Em troca, surgiram novas instituições: organismos reguladores como a Comissão Interestadual de Comércio, associações empresariais como a Associação Norte-americana das Ferrovias e outras entidades independentes como o Conselho da Associação Médica Norte-americana sobre a Educação Médica que estabeleceram normas sistemáticas para as transações e padrões para a qualidade dos produtos e a formação profissional. Também se responsabilizavam quando algo dava errado.
Uma nova necessidade de proteção
Ainda não existem normas similares nem requisitos para exigir responsabilidade de tecnologias do século 21 como as redes sociais. Nos Estados Unidos, a Comissão Federal de Comércio (FTC na sigla em inglês) é um dos poucos organismos reguladores que trabalham para que as plataformas digitais se responsabilizem pelas práticas empresariais enganosas ou potencialmente injustas. A FTC está investigando agora o Facebook pela situação da Cambridge Analytica.
Muitos exigem uma maior supervisão das plataformas de redes sociais. Algumas das propostas atuais poderiam regular e fomentar a confiança em Internet.
Outros países têm normas, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia e a Lei de Proteção da Informação Pessoal e de Documentos Eletrônicos do Canadá. No entanto, nos Estados Unidos, as empresas tecnológicas como o Facebook impediram ativamente esses esforços e se opuseram a eles, enquanto os legisladores e demais gurus da tecnologia convenceram as pessoas de que não eram necessários.
O Facebook tem os conhecimentos técnicos necessários para outorgar aos usuários mais controle sobre seus dados privados, mas decidiu não fazê-lo, e isso não surpreende. Não há leis nem normas institucionais que o exijam ou fiscalizem. Enquanto não se exigir que uma plataforma importante de redes sociais como o Facebook demonstre de maneira confiável e transparente que protege os interesses de seus usuários – que são diferentes dos de seus clientes publicitários – os pedidos para dissolver a empresa e recomeçar do zero não vão parar de crescer.
Denise Anthony é professora de Sociologia no Dartmouth College. Luke Stark é pesquisador de pós-doutorado em Sociologia no Dartmouth College
Cláusula de divulgação: Denise Anthony recebe atualmente financiamento da National Science Foundation (bolsa número 1408730 “A Socio-Technical Approach to Privacy in a Camera-Rich World”). Luke Stark recebe atualmente financiamento da National Science Foundation (bolsa número1408730 “A Socio-Technical Approach to Privacy in a Camera-Rich World”).