Presidente Bolsonaro liberou 1,1 bilhão de reais em emendas parlamentares na área de saúde e empenhou outros 2,5 bilhões para garantir apoio de deputados
A Câmara dos Deputados encerrou na madrugada desta quarta-feira a discussão do texto-base da reforma da Previdência, etapa prévia à votação em si no plenário da Casa, quando todos os parlamentares dão seu sim ou não à reforma. Por 353 votos a 118, os deputados concordaram em terminar o debate do projeto do governo Jair Bolsonaro (PSL), proposto em requerimento pelo partido do presidente Jair Bolsonaro. Com essa votação, foi possível encurtar a ida dos parlamentares à tribuna defender ou criticar o projeto do Governo. Entre quarta e quinta-feira a proposta de emenda constitucional e seus destaques deverão ser votados. E até sexta-feira, a proposta toda em um segundo turno.
O placar prévio, de 353 votos, e outro anterior, de 331 contra 117 – que derrubou um requerimento do PCdoB para obstruir a votação — é um termômetro importante para o Governo e para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que trabalhou para que a votação da reforma acontecesse antes do recesso parlamentar. Para ser aprovada, a reforma da Previdência precisa de 308 votos, ou o apoio de dois terços dos 513 dos deputados. Com esses dois resultados, a leitura é que a reforma passe com alguma acilidade nesta quarta pelo plenário.
O debate e a votação do projeto da “nova política”, porém, foram regados por doses da ‘velha política’. Bolsonaro usou do mesmo artifício de seus antecessores: liberou 1,135 bilhão de reais em emendas parlamentares na área de saúde. Na prática, o Executivo é obrigado a pagar essas emendas. Porém, ele define em qual momento esse pagamento ocorrerá. Nas últimas duas décadas, esse artifício foi usado por todos os presidentes. O presidente procurou minimizar a manobra e disse que estava cumprindo a lei. “Por conta do orçamento impositivo, o governo é obrigado a liberar anualmente recursos previstos no orçamento da União aos parlamentares e a aplicação destas emendas é indicada pelos mesmos. Estamos apenas cumprindo o que a lei determina e nada mais”, disse ele em seu Twitter.
Conforme um levantamento da ONG Contas Abertas, nos cinco primeiros dias de julho, o Governo ainda comprometeu (empenhou) mais 2,551 bilhões de reais em emendas. O valor é maior do que toda a quantidade empenhada nos seis primeiros meses do ano, 1,773 bilhão. A liberação dos recursos resultou em uma série de protestos da oposição, que carregava cartazes com os dizeres: “Oferta do Jair. Sua aposentadoria por R$ 444 milhões”. O discurso dos opositores também mudou. Antes diziam que eram contrários à reforma. Agora, afirmam que são favoráveis às mudanças, mas “essa reforma, não”.
Além da abertura do cofre do Governo, o início da votação da Previdência teve um empenho direto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Diante de um Governo que mostrou dificuldade na negociação com o Congresso, Maia foi o principal articulador a Previdência. Foi chamado por Bolsonaro de “nosso general” dentro da Câmara. Era ele quem conversava com os parlamentares e sugeria que o Governo cumpriria sua palavra nos acordos que havia firmado, como a liberação de emendas. Maia não se faz de rogado e puxa para si os louros do avanço da reforma da Previdência. “A construção da vitória, se acontecer, será uma construção do Parlamento e não do governo. O governo ajudou, mas, em alguns momentos, o governo atrapalhou”, disse. “Sabemos que o governo não conseguiu uma maioria parlamentar e, pela primeira vez, o Parlamento tem construído as soluções econômicas do País”, completou.
Ao longo do dia, Maia participou de mais de uma dezena de encontros, nos quais discutia qual seria o mapa de votação. Os mais otimistas diziam que o Governo teria mais de 340 votos, número bem superior aos 308 necessários para aprovação de uma proposta de emenda constitucional. A prova para saber se as negociações funcionaram ocorrerá na votação da manhã desta quarta.
Em linhas gerais, o texto-base que deve ser votado cria uma idade mínima para aposentadoria (65 para homens e de 62 para mulheres), estabelece o tempo base de contribuição (20 anos para homens e 15 para mulheres), registra quatro faixas de contribuição (hoje são três), reduz a amplitude dos beneficiários pelo abono salarial, reduz o valor do pagamento das pensões para viúvos ou herdeiros e cria regras de transição que obrigam parte dos trabalhadores dos setores público e privado a trabalharem o dobro de tempo do que antes faltava para se aposentarem. Ficaram de fora do projeto inicial do Governo propostas que endureciam as regras do benefício de prestação continuada, da aposentadoria rural e a capitalização.
Sem público e lobbies
Assim como ocorre na maior parte dos projetos polêmicos, a presidência da Câmara não autorizou que as tribunas do plenário fossem ocupadas pelo público. O esquema de segurança foi alterado e apenas quem tinha credenciamento na Câmara tinham acesso ao entorno do plenário. Durante todo o dia, nos acessos da Casa manifestantes pró e contrários à PEC abordavam parlamentares pedindo votos para um ou outro lado.
Na tribuna, as vozes da oposição foram contra a redução de benefícios para os mais pobres. “Nunca negamos a necessidade de reforma no Brasil. Mas não essa reforma que pesa sobre os pobres”, alega o deputado Tadeu Alencar, líder da bancada do PSB na Câmara. Líderes do PT, PSB, PSOL e PCdoB frisaram que a maior economia esperada pelo Governo – 1 trilhão de reais em dez anos – recaem mais sobre vulneráveis, como a redução de pensão para viúvas de menor poder aquisitivo. A líder do Governo, Joice Hasselmann (PSL-SP), por sua vez, foi à tribuna falar sobre os benefícios para a economia com a reforma. “Quero ver investimento jorrando”, disse Hasselmann, repetindo o mantra da equipe econômica de Bolsonaro que vê na reforma a porta para o crescimento do Brasil. “Vamos iniciar a reconstrução por esse alicerce”, completa. “Temos longos anos para trabalhar por esse país.”
Para além dos discursos de tribuna, nos próximos dias haverá ao menos três lobbies: o da segurança pública, o dos ruralistas e o das mulheres. Policiais, agentes penitenciários e guardas municipais tentarão reverter a derrota que tiveram na comissão especial e incluir uma série de privilégios na proposta, como a redução da idade mínima e a paridade ao fim da carreira. Inicialmente, o presidente Bolsonaro apoiava esse pleito. Orientado pela sua equipe econômica, agora defende que essas alterações ocorram por meio de uma lei complementar, que é mais fácil de ser aprovada do que uma PEC, pois depende apenas de maioria simples, não de três quintos dos votos dos deputados.
Os ruralistas, por sua vez, querem manter a isenção de tributação previdenciária para o produto exportado obtida na votação da comissão especial. O custo dessa medida representa uma perda de 84 bilhões de reais na estimativa de economia.
Já a bancada feminina tentará garantir o cálculo sobre a aposentadoria de todas as mulheres. Pela regra aprovada na comissão, o tempo mínimo de contribuição era de 15 anos, quando a trabalhadora poderia se aposentar com um vencimento de 60% sobre a média salarial. Esse valor só seria aumentado dois pontos percentuais ao ano após somar 20 anos de contribuição. As deputadas, contudo, querem que esse cálculo passe a valer a partir dos 15 anos. A tendência é que essa demanda seja atendida.