Temores de crise global entram no radar do país, que não teve o “tsunami de investimentos” esperado com o encaminhamento da reforma da Previdência. PIB do segundo tri será divulgado dia 29
O Brasil coleciona um rosário de preocupações na economia que travam a retomada dos negócios e a recuperação do emprego. Hoje o país tem 12 milhões de pessoas desempregadas. Mesmo com reformas da Previdência e tributária em andamento, e o cenário político interno relativamente controlado, o cenário global se complica. A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China se acirra, ao mesmo tempo que o gigante asiático desacelera, e os temores de uma crise mundial avançam. A Alemanha, por exemplo, flerta com a recessão técnica, e há dúvidas em relação à economia norte-americana.
Por ora, o temor da crise global estimulou a fuga de capitais da bolsa brasileira. De janeiro até o dia 15 de agosto já haviam saído 19 bilhões de reais de investidores estrangeiros, o maior volume desde 1996, como constatou o jornal Valor Econômico. Para além dos temores nos países desenvolvidos, há problemas domésticos e na vizinhança que teriam poder para contagiar o Brasil. A já debilitada economia argentina, o parceiro comercial mais importante do Brasil na região, passa por uma nova turbulência após as primárias revelarem o favoritismo de Alberto Fernández, nas eleições presidenciais. A Argentina está no radar imediato do Brasil. A instabilidade que se instalou no país vizinho após a vitória do Alberto Fernandez nas primárias eleitorais tem potencial para contagiar o Brasil. Nos cálculos do Itaú, para cada 5% de queda na produção industrial argentina, a exportação do Brasil cairia 25%, o que significaria uma queda de 0,2% no PIB.
O economista Luka Barbosa, do Itaú, ressalta, no entanto, que a situação econômica da China importa mais hoje do que a do país vizinho, uma vez que a queda de crescimento do país asiático afeta a economia brasileira tanto pela diminuição das exportações quanto no preço das commodities. “O que acontece na China é muito mais importante para o Brasil do que está acontecendo com a Argentina”, afirma Barbosa. O economista lembra que 30% das exportações do Brasil vão pra China, 20% pros Estados Unidos e apenas 5% para a Argentina.
Internamente, a cautela das empresas para investir dificulta a retomada. “A Previdência não gerou um tsunami de investimentos no Brasil, embora fosse essa narrativa. Falta narrativa de urgência”, observa o analista Thiago de Aragão, que transita entre Washington e Nova York, de onde conversa com fundos globais semanalmente. Aragão aponta a necessidade de microrreformas para destravar investimentos, como o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 79 que atualiza a Lei Geral das Telecomunicações e tem potencial para atrair mais recurso de longo prazo.
Aragão lembra que o Brasil depende de dois tipos de investidores: os que conhecem o Brasil de verdade, e filtram informações negativas, e outros sazonais que dependem “da sensação térmica” do mundo. “Para esses, quando tudo vai bem, incluindo os Estados Unidos, se permitem testar em novas águas. Mas quando o mundo não está bem como o esperado, temem mais os emergentes como o Brasil”, completa. O Governo Bolsonaro, no entanto, decidiu apostar primeiro num programa ambicioso de privatizações para entrar no radar dos investidores. Na semana passada, anunciou que 14 estatais serão privatizadas com a expectativa de arrecadar 2 trilhões de reais. O pacote inclui os Correios e até a Casa da Moeda.
Na avaliação de Silvio Campos, da consultoria Tendências, a demanda ainda está muito comprometida pela situação financeira das empresas e das famílias em um quadro fiscal complexo em que o Governo está sem espaço para estímulo. “O que resta é apostar em uma agenda competitiva. Algo que o país já esta fazendo há um tempo, desde a reforma trabalhista de 2017 e a lei da terceirização. Agora temos cadastro positivo, a reforma da Previdência, a medida provisória (MP) da liberdade econômica, a reforma tributária. São todas tentativas de tirar travas, criar um ambiente de negócios melhor”, afirma. Sem recursos para o investimento público, o país perde uma importante válvula de escape, segundo Campos. “Perdemos este escape via financiamento subsidiado, ele se esgotou pela situação fiscal”, afirma.
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, concorda que o investimento público hoje está parado, representa apenas 0,5% do PIB e deve continuar achatado por conta da regra do teto de gastos. “A equipe econômica foi afoita ao pensar que as concessões e leilões iriam deslanchar rápido e aquecer a economia. Tudo tem seu tempo. E hoje os investimentos privados estão parados também porque as empresas têm uma capacidade ociosa enorme. Estamos num processo de retomada lenta há muito tempo”, explica.
Vale ressalta ainda que, embora devêssemos celebrar os efeitos positivos gerados pelas reformas que estão bem encaminhadas – principalmente a da Previdência –, o presidente Jair Bolsonaro não ajuda porque traz muito ruído no processo de retomada econômica. “Quando ele começa a falar sobre desmatamento e meio ambiente e usa um tom agressivo com países como a Alemanha, ele pode estar colocar em risco o próprio acordo comercial com a União Europeia. Bolsonaro tem potencial de impactar futuras parcerias comerciais”. Nesta semana, o presidente francês, Emmanuele Macron já deixou claro que pode bloquear o acordo da União Europeia com o Mercosul depois da crise aberta com as queimadas na Amazônia.
Para Vale, como não há espaço para que o Governo produza novos estímulos econômicos, o que poderia ser colocado em discussão é a diminuição do spread bancário – a diferenças entre os juros que os bancos pagam quando você investe seu dinheiro e os juros que eles cobram quando fazem um empréstimo. “Não adianta reduzir a taxa básica de juros se ela tem pouca efetividade para a pessoa física. Hoje a média do spread bancário é de quase 40%, uma taxa muito elevada. É preciso aproximar de uma média mundial que é de 3%. Indo nessa direção você pode estimular consumo e crescimento”, explica.