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O presidente Jair Bolsonaro comprou para si uma crise extra com a sua saída do Palácio do Planalto, no último domingo, para abraçar e tirar selfies com populares em uma manifestação de apoio ao seu Governo. Se ficou bem com aqueles que não se importaram em estender a mão para cumprimentá-lo —apesar de 13 pessoas da comitiva que o acompanhou aos Estados Unidos terem sido contagiadas com o coronavírus— Bolsonaro perdeu o respeito de antigos aliados. Entre elas, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), que quase foi sua candidata a vice durante as eleições de 2018.
Nesta segunda, Paschoal propôs que Bolsonaro deixasse o poder para alguém “capaz de conduzir a nação.“ “As autoridades têm de se unir e pedir para ele [Bolsonaro] se afastar. Não temos tempo para um processo de impeachment”, afirmou Paschoal, que fez um discurso na tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo. “Estamos sendo invadidos por um inimigo invisível [o coronavírus]. Precisamos de gente capaz de conduzir a nação. Quero crer que [o vice-presidente Hamilton] Mourão pode fazer isso por nós”, completou.
Se a deputada rejeita a ideia de impeachment, outros desafetos do presidente veem nesse processo o caminho natural para Bolsonaro depois de seu gesto de indiferença com a crise do coronavírus neste domingo. O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), seu ex-aliado, promete entregar nesta terça-feira um pedido de afastamento do presidente ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Bolsonaro, contudo, não acredita que será afastado por acreditar que tem “o povo” ao seu lado e os atos de populares a seu favor neste domingo seriam a prova. O mandatário teima em enxergar que cometeu erros, inclusive ao cumprimentar pessoalmente os seus apoiadores. Em entrevista ao jornalista Luiz Datena, na rádio Bandeirantes, o presidente falou por longos 50 minutos, e admitiu que fará um segundo teste esta semana para o coronavírus. Em momento algum cogitou que pudesse ele mesmo transmitir o vírus para os populares que foram celebrá-lo na porta do Palácio do Planalto. Ao contrário, insinua que se colocou ele mesmo em risco para respeitar o público. “Se eu me contaminei, é responsabilidade minha. Ninguém tem nada com isso”, afirmou Bolsonaro.
Mantendo o tom desafiador, minimizou as críticas que lhe são atribuídas e tratou novamente como “histeria” a preocupação com a expansão do coronavírus. “Você tem um caos muito maior. Se economia afundar, afunda o Brasil. E qual é o interesse? Dessas lideranças políticas [que o criticam]? Se afundar a economia, acaba o meu Governo”, diz ele, que atribui a preocupação com o coronavírus a uma guerra de poder. Perguntado se poderia fechar fronteiras, como o fizeram outros países, entre eles alguns com menos casos do vírus que o Brasil, Bolsonaro disse que o Brasil não tem espaço de lei para fechar.
Questionado sobre a postura do presidente diante da crise, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo Reis, negou-se a comentar. “O Ministério da Saúde não avalia manifestações do presidente. Vou falar sobre qualquer coisa que diga respeito à saúde pública, não vou falar sobre comportamento das pessoas, muito menos do presidente”.
Apesar de classificar de “histeria” a preocupação com o coronavírus, o Governo decidiu criar um gabinete de crise, que avalia em tempo real a evolução da doença —já são 234 casos no país—, e anunciou um pacote de medidas econômicas que pretende injetar 147 milhões de reais na economia. A ideia é atenuar a oscilação nos mercados. A Bovespa acionou o circuit breaker (uma interrupção automática dos negócios após queda vertiginosa das ações) pela quinta vez este mês, fechando com redução de quase 13%. Pela primeira vez no ano, o dólar fechou em 5 reais nesta segunda.
Isolamento
Se o presidente fez pontos com seus apoiadores mais radicais que foram às ruas, entre a cúpula dos poderes a tentativa é de isolá-lo para deixar seus técnicos trabalharem. Um exemplo disso foi uma reunião de emergência que ocorreu na tarde desta segunda-feira no Supremo Tribunal Federal, do qual participaram o presidente e o vice da Corte, Dias Toffoli e Luiz Fux, além dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. O Executivo foi representado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Alcolumbre e Maia se queixaram de que Bolsonaro tem estimulado o acirramento entre os poderes, o que foi reforçado por sua participação na manifestação de domingo e em uma entrevista dada à CNN Brasil, na qual ele diz que esses dois parlamentares deveriam ir para as ruas para ouvir a população.
Na esfera regional, Bolsonaro também demonstrou que não está interessado em unir forças com outros países sul-americanos. Desde Santiago, no Chile, o presidente Sebástian Piñera coordenou uma reunião do Prosul (Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Guiana e Chile). Com exceção do Brasil, os presidentes dos demais países do grupo participaram da reunião por teleconferência. Bolsonaro determinou que Mandetta e o chanceler Ernesto Araújo o representassem. Nesse encontro, o grupo concordou em coordenar a adoção de medidas para a proteção de fronteiras, facilitar os retornos dos nacionais a seus respectivos países, estabelecer políticas de compras conjuntas de insumos médicos e aumentar a capacidade de diagnósticos dos possíveis infectados.
Na contramão de outros países da América do Sul, o Brasil não deverá fechar suas fronteiras para evitar a disseminação do novo coronavírus. Peru, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai impuseram restrições para a entrada de estrangeiros. Segundo o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo Reis, o país está se preparando para receber estrangeiros que precisem de assistência, como quatro argentinos e dois uruguaios que estão em um cruzeiro atracado em Recife com casos suspeitos de coronavírus. O ministro Luiz Henrique Mandetta declarou ser contrário à medida. “Se for partir para fechar tudo, sai todo mundo correndo”.