Presidente eleito será diplomado nesta segunda em meio a desconforto no seu núcleo com movimentações suspeitas de amigo da família e dúvidas sobre capacidade de colocar seus planos em pé
O presidente eleito Jair Bolsonaro será diplomado nesta segunda pelo Tribunal Superior Eleitoral, num ato que formalizará sua aptidão para assumir o cargo, marcando oficialmente a contagem regressiva para a sua posse dentro de 22 dias. O primeiro presidente militar da redemocratização segue venerado por metade do Brasil, enquanto a outra metade do país e do mundo se pergunta se ele está realmente apto para dar conta do recado. Antes mesmo de assumir no dia 1º de janeiro, Bolsonaro já alimentou o noticiário com pautas que deixam enormes dúvidas no caminho, seja pela guerra interna em seu partido, seja pelo perfil de seus ministros, e mais recentemente, pelas suspeitas de corrupção que começaram a rondar a sua família.
Tudo começou com o vazamento das discussões ácidas entre os integrantes do partido pelo Whastsapp, na quinta feira, 6, seguida pela descoberta de que um assessor do seu filho, o senador eleito Flavio Bolsonaro, movimentou 1,2 milhão de reais entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, uma renda incompatível com seus ganhos. As informações constavam de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), O dinheiro chegou a respingar nas contas da futura primeira dama, Michelle Bolsonaro. O assunto tomou os jornais no final da semana. Bolsonaro e o filho Flavio não se furtaram a falar do assunto. O presidente eleito disse a jornalistas que ele havia sido credor de empréstimos ao ex-assessor, Fabrício Queiroz. Flavio se pronunciou pelo Twitter, dizendo que estava com a consciência tranquila.
Erros ingênuos, insinuações maldosas da mídia ou um político que acreditou no próprio personagem que ganhou a eleição numa cruzada anticorrupção contra o PT? Para um Brasil que viu Aécio Neves e o ex-ministro Geddel Vieira Limafazerem campanha anticorrupção, e hoje estão enrolados em denúncias, qualquer sinal de fumaça preocupa. Bolsonaro, em todo caso, tem capital político de sobra ainda, e um suporte poderoso dos militares para seguir seu caminho e que muitas vezes têm garantido um certo verniz para seu futuro Governo. O próprio vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão, mostrou-se favorável a explicações mais claras sobre o episódio do empréstimo. “O ex-motorista, que conheço como Queiroz, precisa dizer de onde saiu este dinheiro. O Coaf rastreia tudo. Algo tem, aí precisa explicar a transação, tem que dizer”, disse ele à jornalista Andrea Sadi, do portal G1. Mourão também será diplomado nesta segunda, junto com Bolsonaro.
Os militares, aliás, que estão até a raiz na era Bolsonaro —sete dos 22 ministros são fardados—, estão fazendo as vezes de freio institucional para o futuro Governo e, para alguns, são os que vão governar de fato. A volta à política em plena democracia vem dentro do propósito de permitir que o Brasil supere este momento de turbulência, que começou em 2014. “Eles garantiram a eleição e agora, a transição”, diz uma alta fonte de Brasília, com a honestidade de quem enxerga o papel dos militares em toda a formação do Brasil, desde os tempos imperiais. Segundo esta fonte, a presença deles é endossada pela população, como as próprias urnas confirmaram. Afinal de contas, Bolsonaro deixou claro desde o princípio que eles estariam junto caso vencesse. Uma amostra dessa influência já pode ser testemunhada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), de Brasília, que serve de base para o Governo de transição. Por ali, militares circulam com a mesma desenvoltura que os políticos e jornalistas que cobrem a capital.
A questão é se eles serão os fiadores dos planos ambiciosos do novo Governo, tanto a guinada à direita nos costumes, como a retomada do crescimento econômico com um plano ultraliberal. Se o otimismo do mercado financeiro deu o tom durante a campanha e este período de transição (a bolsa subiu e o dólar caiu desde a vitória do militar reservado), é o Bolsonaro do Palácio do Planalto que desperta um enorme ponto de interrogação entre os que pensam mais a longo prazo do que investidores de bolsa. Como o Governo novo vai colocar em prática seus planos de virar o Brasil para a direita, sem prejuízos para a economia, o emprego e para os direitos sociais previstos pela Constituição, é uma pergunta que se repete nas principais embaixadas de Brasília. Algumas ideias da equipe econômica lembram fórmulas dos anos 80 e 90, que depois afetaram o poder de compra das pessoas, analisava preocupado um representante de um dos países com mais negócios no Brasil em conversa com o EL PAÍS.