“Misturar família” gera insegurança, diz Rodrigo Maia. Presidente vai dar “ordem unida” à “rapaziada”, diz Mourão. Ministro, ligado a escândalo das candidaturas de fachada do PSL, resiste no cargo, por enquanto
Gustavo Bebianno passou de estratégico dirigente da campanha de Jair Bolsonaro a cambaleante ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República em apenas poucos dias. No comando do governista PSL quando supostas candidatas-laranja receberam verba pública na campanha eleitoral, Bebianno estava na berlinda e isso por si só já era uma dor de cabeça para a gestão. Mas, ao entrar na linha de ataque de um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, o vereador carioca Carlos, o ministro acabou ganhando apoio de integrantes do núcleo militar do Governo, de parlamentares do PSL e até do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Todos têm um ponto comum: estão preocupados com a escalada da crise –quando o Planalto apenas dá os primeiros passos na reforma da Previdência– e com o tamanho da influência da prole do mandatário nos destinos do Governo.
Durante toda a quinta-feira, nos bastidores do poder em Brasília, a principal discussão era sobre o momento em que Bebianno seria demitido pelo presidente –até a conclusão desta reportagem, isso não havia acontecido. Nesta quinta-feira, o ministro passou boa parte do dia no hotel onde mora, em Brasília. Não foi recebido por Bolsonaro, que ainda se recupera da cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia. O presidente recebeu apenas um grupo de ministros e assessores no Palácio da Alvorada para tratar quase que exclusivamente da reforma da Previdência que enviará ao Congresso Nacional nos próximos dias.
Sempre que indagado se pediria demissão, Bebianno disse que não o faria. Como alguém que acompanhou de perto a trajetória do presidente, soou como quem enviava recados. Ao jornal O Estado de S. Paulo, provocou: “O que chamam de inferno, eu chamo de lar”. À revista eletrônica Crusoé, negou qualquer irregularidade nos repasses às candidatas do PSL, disse que não é moleque para ficar debatendo assuntos como esse na rede social e que Bolsonaro deve estar com medo de receber algum “respingo” da crise. “Não sou moleque e o presidente sabe. O presidente está com medo de receber algum respingo. Ele foi um mero candidato. Ele não participou da Executiva, ele não tinha mando no partido. Ele não tem responsabilidade nenhuma”.
A crise na qual se viu envolvido começou com as supostas candidaturas laranjas do PSL no período em que ele presidia interinamente o partido a mando de Bolsonaro. E chegou ao ápice – ao menos por enquanto – quando Carlos o chamou de mentiroso pelo Twitter e acabou replicado pelo seu pai. Seu processo de fritura pública começou na quarta-feira. O então ministro havia dito à imprensa que tinha conversado três vezes por telefone com Bolsonaro no período em que ele estava internado. O vereador entendeu que ele tinha tratado com o presidente sobre o suposto laranjal do PSL e quis afastar esse vínculo de uma possível irregularidade da campanha de seu pai. Carlos, então, publicou um áudio que Bolsonaro teria enviado a Bebianno em que ele se nega a atender seu assistente. Essa foi umas das mensagens replicadas pelo próprio Bolsonaro ainda na quarta. Mais tarde, em entrevista à TV Record, foi o presidente que chamou seu auxiliar de mentiroso e que, caso tivesse cometido algum erro, ele poderia “voltar às origens”.
Aproximação e defesas
Advogado de formação, Bebianno trabalha com Bolsonaro há apenas dois anos. Sua aproximação célere do presidente se deu um pouco antes da campanha eleitoral e sempre foi questionada por Carlos. Ambos chegaram a disputar quem comandaria a comunicação do Governo. Por fim, oficialmente, nenhum dos dois ficou com a máquina na mão. A Secretaria de Comunicação é hoje vinculada à Secretaria de Governo, ministério sob a batuta do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Na prática, contudo, é Carlos quem administra as redes sociais de seu pai.
Colocado como presidente interino do PSL de janeiro do ano passado até as eleições, cabia a Bebianno as decisões estratégicas da campanha. Ele foi o responsável por levar negociar a ida do então presidenciável ao partido ao invés de ir para o Patriota, com quem estava negociando antes de ser oficializado concorrente.
Se a queda de um ministro da cozinha do Planalto com menos de dois meses de Governo já preocupava governistas, a participação de Carlos Bolsonaro no episódio acendeu de vez os alertas. Desde antes mesmo da posse, o braço militar do Governo Bolsonaro tenta afastar a influência dos filhos dele na gestão. A questão ficou explícita nesta quinta-feira, quando, em entrevista à agência Reuters, o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, disse que o presidente vai dar uma ordem aos seus filhos. “A minha visão é que estamos num momento de acomodação. Também tem que ser levado em conta que o presidente vem passando por uma série de problemas de saúde. É óbvio que isso deixa a pessoa numa situação mais frágil. Agora está voltando sem a preocupação de ter de fazer mais cirurgias, de correr riscos, então eu acredito que ele vai dar uma ordem unida aí nessa rapaziada”.
No Congresso, alguns dos representantes do PSL e outros aliados, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), queixaram-se da postura de Carlos e dessa interferência familiar em assuntos de Estado. “A impressão que dá é que o presidente está usando o filho para pedir para o Bebianno sair. E ele é presidente da República, não é? Não é mais um deputado, ele não é presidente da associação dos militares”, reclamou Maia ao portal G1. “Ele tem que comandar a solução, e não pode, do meu ponto de vista, misturar família com isso porque acaba gerando insegurança.”
Um outro que reclamou foi o líder do PSL no Senado, major Olímpio Gomes. “Carlos é um amigo. Eu o respeito. Algumas atitudes podem ser tomadas de filho em relação ao pai. É simplesmente ajustar a sintonia e se distinguir o que é a defesa, uma manifestação em função do pai, e quais são as atividades, as competências e o tamanho da responsabilidade da presidência”, afirmou. Já a oposição, segue na clara tentativa de constranger o Governo. Nesta semana, representantes de dois partidos opositores, PSOL e PCdoB, apresentaram requerimento de convocações de ministros e entraram com representações junto à Procuradoria-Geral da República.
Indícios de candidatura de fachada
O esquema de candidaturas laranjas do PSL foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo. Em reportagens publicadas nas últimas duas semanas, há indícios de que, enquanto o partido era presidido interinamente por Bebianno, ao menos três mulheres de Minas Gerais e de Pernambuco, sem nenhuma expressão ou militância política, teriam se candidatado a cargos de deputada estadual e federal apenas para compor a cota de 30% obrigatório definido pela legislação eleitoral. Essas candidaturas laranjas são consideradas um delito, pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Os contornos negativos foram amplificados quando se revelou que recursos públicos foram investidos nessas campanhas, por meio do fundo partidário. Uma delas, a de Maria de Lourdes Paixão, recebeu 400.000 reais provindos do diretório nacional, dirigido por Bebianno. A maior parte desse valor foi gasta em uma gráfica aparentemente de fachada. Outra concorrente, Érika Siqueira Santos, recebeu 250.000 reais, da mesma maneira. Os valores estão entre os maiores repasses do partido. No caso de Paixão, ela recebeu mais recursos que o próprio presidente e que a deputada federal mais votada do país, Joice Hasselmann. Nenhuma delas se elegeu. Paixão teve 274 votos para a Câmara. Érika, 1.315 para a Assembleia Legislativa de Pernambuco.
Além das duas candidaturas laranjas, também há suspeita de que algo similar tenha acontecido em Minas Gerais, onde o partido é comandado pelo deputado federal e ministro Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG). Todos esses esquemas passaram a ser investigados pela Polícia Federal.