Filhos do presidente fazem lobby para aprovar texto em tramitação no Senado que beneficia fusão da AT&T e Time Warner. Senador do PT estuda apoiá-lo, se incluir cota de produção nacional para empresas como Netflix
Depois de ver fracassada sua tentativa de pressionar a Agência Nacional de Telecomunicações para que a entidade aprovasse ainda neste ano a compra da Time Warner pela AT&T no Brasil, o Governo Jair Bolsonaro (PSL) aposta agora no Senado uma alternativa que vai beneficiar as duas empresas americanas. Na próxima quarta-feira, a Comissão de Ciência e Tecnologia pretende votar o projeto de lei 3.832/2019, que altera as regras da TV paga no país e suspende a proibição de propriedade cruzada, o que permitiria a fusão de quem produz conteúdo (Warner) com quem o distribui (AT&T, a controladora da Sky). A defesa do negócio das gigantes americanas no Brasil virou uma bandeira aberta do Planalto e, especialmente, do deputado Eduardo Bolsonaro, em campanha para ser o novo embaixador do Brasil nos EUA.
O texto, que se aprovado na comissão vai direto para a apreciação da Câmara, movimenta também as atenções e os lobbies da gigante local, Globo, e suas concorrentes Record, SBT e RedeTV, sócias da programadora de TV a cabo Simba —as últimas cultivam relações mais próximas como os Bolsonaro. Enquanto as nacionais ainda não chegaram a um consenso em pontos da matéria, como a prerrogativa de compra dos direitos de grandes eventos, outro tema embola o debate: a inclusão da Internet, o que pode ter impacto ainda mais amplo.
Caso uma emenda ao texto seja aceita, os canais de streaming, como Netflix e HBO GO, entrariam na lei e seriam equiparados aos canais de TV por assinatura e poderiam ser obrigados a exibir uma cota mínima de produção brasileira. Esse grupo é chamado de over the top (OTT – nomenclatura para transmissão não linear pela Internet). Hoje, os canais por assinatura têm de ter ao menos 3h30 de produção local por semana em sua grade de programação. No caso das OTTs, não está claro como seria essa cota, já que não é possível mensurar a sua grade pela quantidade de horas de transmissão. Tampouco a emenda ao projeto de lei deixa claro como seria feita essa contabilidade.
As iminentes alterações atingem um mercado em queda, o das TVs pagas, que registraram 17,5 milhões de assinantes no ano passado (550.000 assinantes a menos que em 2017) e um ascensão, das OTTs, que supera os 10 milhões no Brasil. Os dados são da Anatel e do mercado. A tendência é que as plataformas digitais superem em poucos anos as TVs por assinatura.
O rastro da família Bolsonaro nessa negociação está no lobby pela aprovação da proposta. O principal articulador para os Governos brasileiro e americano é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente que deve ser indicado para assumir a embaixada do Brasil nos Estados Unidos, o que depende ainda da aprovação do Senado. A pedido da gestão Donald Trump, ele chegou a ir pessoalmente à Anatel para angariar apoio à fusão das companhias, já aprovada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
O pedido do deputado foi ignorado por enquanto. Dos cinco conselheiros, dois votaram a favor da união da AT&T com a Time Warner,. Um pediu vistas de 120 dias no processo. Os outros dois ainda não votaram. Em Brasília, Eduardo é visto como um lobista aguerrido em favor do Governo Trump, o que ele nega. Seu irmão, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), é outro negociador junto aos congressistas na matéria. Flávio conversou com ao menos quatro dos membros da Comissão de Ciência e Tecnologia pedindo votos a favor da mudança legal.
Segundo especialistas, caso o projeto de lei seja aprovado de forma terminativa na comissão do Senado (não precisa passar no plenário) e, posteriormente, na Câmara, o processo que tramita na Anatel será extinto, já que a lei brasileira passaria a autorizar essa união. “Uma lei federal se sobrepõe a uma norma de agência reguladora”, explicou o advogado especialista em fusões e aquisições Paulo Bardella, do escritório Viseu Advogados.
“Tem gente querendo pegar carona”
O relator do projeto de lei na Comissão de Ciência e Tecnologia, senador Arolde Oliveira (PSD-RJ), um aliado de Bolsonaro, diz que as mudanças não são apenas direcionadas para a AT&T. “Queremos apenas destravar o problema da propriedade cruzada e permitir que o país tenha mais investimentos”, afirma.
Já o opositor ao bolsonarismo, Rogério Carvalho (PT-SE), afirma que, caso seja garantida a cota de produção local para as OTTs, a oposição deve votar junto com o Governo. “Desde que a lei da TV paga surgiu, diversos produtores independentes surgiram no país. Queremos que criar um marco para que a produção voltada para a Internet respeite essa produção local”, ponderou Carvalho. Ele é o autor da emenda que pode alterar as regras para as empresas de streaming.
Na opinião do senador Oliveira, contudo, o assunto ainda não está pacificado. “Tem gente querendo pegar carona em um projeto que é simples. Por mim, não mudamos nada de Internet agora”, afirmou. Sua ideia é incluir esse tema em um projeto de lei mais profundo, no qual todos os aspectos das OTTs seriam debatidos, desde a criação de limites de produção até eventuais cobranças taxas. Sairá vencedor do primeiro round dessa batalha quem obtiver ao menos 9 dos 17 votos dos senadores da comissão na próxima quarta.