Sínodo que começa no domingo continuará sem o direito ao voto feminino, mas debaterá a ordenação de homens casados
O germe deste sínodo surgiu há quase dois anos em Puerto Maldonado, no Peru, quando o Papa viajou a esse país e ao Chile. A Amazônia se encontra hoje, de forma completamente imprevista naquela época, no centro do debate político, social e ambiental do mundo. Mas o interesse de Francisco pela ecologia marca todo o seu Pontificado e já tomou corpo teológico através da encíclica Laudato Si. Uma reivindicação do ambientalismo integral que foi recordada nesta quinta-feira pelo cardeal e secretário do sínodo, Lorenzo Baldiseri: “Uma ecologia que não trate as questões só olhando para o meio ambiente, mas também que compreenda a dimensão humana e social. Uma ecologia que tenha presente a essência do homem”.
O sínodo, para o qual 80.000 pessoas se fizeram ouvir, fornecendo as informações preliminares, discutirá sobre uma zona geográfica que abrange sete nações. A proposta, entretanto, incomoda especialmente o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que o considera uma ingerência na soberania nacional. “Respeitamos a soberania do Brasil. Mas a Igreja também está na Amazônia”, advertiu o cardeal Cláudio Hummes, presidente da Rede Eclesiástica Pan-Amazônica (REPAM) e participante do encontro.
A participação da mulher, com 35 convidadas, aumenta: duas convidadas especiais, quatro especialistas (duas são religiosas) e 29 auditoras, sendo 18 freiras. Mas nenhuma delas terá influência sobre os 185 “padres sinodais” que poderão votar o documento final. Esse foi um dos temas fundamentais de uma reunião convocada pela organização Voices of Faith que ocorreu no mesmo momento em que três cardeais apresentavam o sínodo da Amazônia. A freira sueca Madeleine Fredell criticou em um discurso contundente que “ocorram na Igreja abusos de todo tipo, sexuais, econômicos, de poder” e também “de silenciamento das mulheres”. “Não nos permitem compartilhar nossas interpretações da fé, somos silenciadas (…). Não suplicamos poder, o poder sempre corrompe, só pedimos para sermos respeitadas.”
A apresentação do Sínodo, entretanto, só confirmou que a onda se aproxima para uma Igreja que ainda se considera impermeável a determinadas mudanças sociais. Baldiseri salientou que desta vez quadruplicou o número de mulheres participantes do encontro. Mas foi incapaz de dar uma explicação convincente, além de citar as normas estabelecidas, para o fato de elas continuarem sendo irrelevantes na hora de tomar decisões. “O sínodo é um organismo, não um direito divino. Então é preciso se ater à norma estabelecida. Um código de direito canônico assinado pelo Papa.” É assim, nada mais.
Os atritos internos, numa Igreja atualmente cindida pelas investidas do setor ultraconservador, chegarão ao sínodo através do debate sobre a ordenação de homens casados e com famílias, como forma de paliar a falta de vocações em lugares remotos do mundo (esses padres são conhecidos como viri probati).
A discussão, ninguém mais esconde, já está sobre a mesa. Embora afete apenas colateralmente o tema do celibato. Baldiseri engoliu em seco algumas vezes nesta quinta quando foi recordado que figuras de peso como o cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito para a Doutrina da Fé da Santa Sé, tinham tachado de herege o tratamento dado ao assunto. “Não é um documento pontifício”, desculpou-se, em referência ao instrumento de trabalho sobre o qual se debaterá, levando-se em conta que “o celibato é um dom da Igreja”. A Amazônia, entretanto, servirá como laboratório para uma série de debates por tanto tempo postergados e de consequências ainda imprevisíveis.