Pouco antes da erupção da Revolução Francesa (14 de julho de 1789), um primeiro-ministro – o economista Turgot (1774-1776) – e os três últimos ministros da economia da monarquia – Colenne (1783-1787), Brienne (1787) e Necker (1789) – propuseram ao rei Luiz XVI taxar os ricos e diminuir privilégios tributários da aristocracia (nobreza e clero) para fazer frente à caótica situação econômico-fiscal-social. Eles foram derrubados pelos senhores da riqueza do Antigo Regime e a Revolução depois derrubou a tudo e a todos.
Após a queda da Bastilha, Luís XVI escreve, em 12 de agosto de 1789, ao arcebispo de Arles mostrando sua indignação aos decretos revolucionários de 5-11 de agosto, que aboliram privilégios tributários e direitos clerical-senhoriais. “Não consentirei jamais que meu clero e minha nobreza sejam esfolados”, escreveu. As massas populares, nas Jornadas de Outubro, impuseram-lhe a aceitação dos decretos, que iam além da questão fiscal.
Àquela altura, o último rei francês não tomara ciência que seu trono era apenas um assento, que sua coroa era apenas uma relíquia, que a estrutura social feudal-monárquica ruíra e que a história já apagara o seu sol (a escuridão eterna só o alcançaria em 21 de janeiro de 1793, às 10h20m).
Nutridas por múltiplas causas, o fato é que várias revoltas sociais em diversos países e épocas tiveram como fermento político à desigualdade social, fruto também de injustiça fiscal: privilégios à minoria e sacrifícios à maioria.
A reforma tributária em gestação em Brasília reproduz a injustiça fiscal. Em sua forma, sinaliza à simplificação ao fazer cirurgia plástica nos impostos sobre produção e consumo, mas, em sua essência, mantém intocáveis os privilégios fiscais sobre a renda e propriedade da minoria endinheirada.
A concentração da riqueza em favor da minoria em meio a uma maioria pobre, miserável e esfolada enfraquece a democracia, apequena a República, bloqueia o crescimento e o desenvolvimento do país.
A natureza humana suporta até certo ponto a ponto a dor, o sofrimento, o descontentamento, o desrespeito, a frustração, a humilhação, a miséria, a desigualdade e a opressão das circunstâncias, mas passando esse ponto-limite dá adeus à passividade política e liberta seu espírito crítico-social ao statuo quo e aciona um cérebro coletivo revoltoso não só aos efeitos da ordem, mas ao fundamento da própria ordem.
Os conselheiros econômicos de Luís XVI não foram ouvidos e as consequências são conhecidas. No Brasil, serão necessárias novas, mais fortes e mais conscientes jornadas massivas, como as de junho de 2013, para a insensível consciência dos senhores da riqueza aceitarem uma justiça fiscal?
*Eduardo Rocha é economista