Este texto reúne notas breves sobre as sucessivas décadas da economia brasileira, de 1960 a 2020, escritas para livro comemorativo dos 60 Anos da Itaú Asset Management
DÉCADA DE 1960
Por André Lara Resende
No início dos anos 1960, as tensões entre o esforço desenvolvimentista e a falta de mecanismos institucionais para criação de poupança atingiram o ponto de ebulição. Desde a metade dos anos 1940, a partir da controvérsia entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, duas visões alternativas de como proceder para recuperar o atraso da economia tinham se consolidado. O liberalismo tecnocrático acreditava que a estabilidade monetária e os mecanismos institucionais indutores da formação e da canalização da poupança para o financiamento do investimento eram pré-condição para o desenvolvimento sustentado. O nacional-desenvolvimentismo defendia a ação empresarial do Estado e considerava a inflação, não necessariamente como um fator inibidor do crescimento, mas como uma forma de viabilizar o investimento estatal.
Embora a vitória intelectual na chamada Controvérsia do Planejamento, entre Gudin e Simonsen, tenha sido inegavelmente do liberalismo de Gudin, a vitória política foi do nacional-desenvolvimentismo de Simonsen. Desde a primeira tentativa de estabilização monetária, ainda no governo Café Filho em 1954, sob a liderança do próprio Eugênio Gudin na Fazenda, até o último esforço de estabilização monetária antes do regime militar, o Plano Trienal sob a coordenação de Celso Furtado, todas as tentativas de controlar a inflação enfrentaram insuperáveis resistências políticas e sociais. Todas as tentativas de implementar um programa de estabilização da inflação e das contas públicas foram abandonadas antes de atingir seus objetivos.
O sucesso do nacional-desenvolvimentismo, na segunda metade da década de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, reforçou a percepção de que o desenvolvimento requeriria uma economia fechada à competição externa e que o processo de industrialização acelerada, baseado na substituição das importações e nos investimentos estatais, dispensaria um arcabouço institucional que induzisse à formação de poupança. A economia efetivamente cresceu e o país se industrializou, mas sem as bases institucionais para o financiamento do investimento, esteve sempre ameaçado pelo desequilíbrio externo e pela pressão inflacionária. Nos primeiros anos da década de 1960, a crescente instabilidade política e a aceleração da inflação intensificaram as tensões.
Ao tomar posse em janeiro de 1961, Jânio Quadros defrontou-se com a herança macroeconômica do período Kubitschek. Sem mecanismos institucionais para a criação de poupança, o esforço de industrialização acelerada provocara profundos desequilíbrios internos e externos. O tímido esforço de enfrentar o desequilíbrio externo, sem um programa de estabilização coerente, associado a uma base de sustentação política frágil, levou à renúncia de Quadros e ao colapso de seu governo em agosto de 1961. Seguiu-se um período de intensa turbulência política e instabilidade econômica, com a instauração do parlamentarismo, a volta do presidencialismo, até a instauração do regime militar em março de 1964. Entre janeiro de 1961 e março de 1964, o país teve três presidentes e seis ministros da fazenda, a economia se estagnou e chegou à beira da hiperinflação. A incapacidade de levar a cabo um programa de estabilização bem-sucedido explica-se, tanto pela turbulência política, quanto pela falta de consenso dos formuladores de políticas públicas em relação à estabilidade monetária como condição para o crescimento sustentado. Em março de 1964, o regime militar destituiu o governo de João Goulart. Alguns meses depois, sob a coordenação de dois expoentes do liberalismo tecnocrático, Roberto Campos e Otávio Gouvea de Bulhões, respectivamente nos ministérios do Planejamento e da Fazenda, foi anunciado um ambicioso plano de estabilização. O Programa de Ação Econômica do Governo, (PAEG), listava entre seus objetivos conter o processo inflacionário, reequilibrar as contas externas e retomar o crescimento da renda e do emprego.
Para isso pretendia reduzir o déficit do governo e fortalecer a capacidade de poupança, através de uma política tributária que levasse ao aumento da arrecadação e de uma política monetária que a fortalecesse o sistema creditício. Estava claro que os formuladores do PAEG subscreviam o diagnóstico liberal ilustrado, segundo a formulação original de Gudin, mas não se pautavam integralmente pelos cânones da ortodoxia monetária da época. Estavam convictos de que não poderia haver crescimento sustentado sem mecanismos institucionais de formação e canalização da poupança, mas suas intenções demonstravam excessiva preocupação com a rápida recuperação do crescimento.
Tinham consciência de que o combate à inflação deveria ser gradualista e que a estabilidade do sistema financeiro deveria ser preservada. Seu diagnóstico apontava para a incompatibilidade entre as parcelas reinvindicadas pelo Estado, pelas empresas para investimento e pela sociedade para consumo, como causa do quadro de desequilíbrio inflacionário. A inflação era entendida como resultado da “inconsistência da política distributiva”. A despesa pública era superior ao arrecadado através do sistema tributário e a política salarial era incompatível com a propensão a investir. A expansão monetária era entendida como apenas sancionadora dos desequilíbrios decorrentes da “inconsistência da política distributiva”. A adoção de uma fórmula de reajustes salariais que restabelecia, não o pico, mas o salário real médio dos últimos 24 meses anteriores ao mês do reajuste, foi peça fundamental para que a escalada inflacionária fosse interrompida sem aumento significativo do desemprego. A compreensão de que, mesmo com reajustes periódicos baseados na inflação passada, o salário real médio é função decrescente da taxa de inflação, e não pode ser corrigido pelo pico sem perpetuar a espiral inflacionária, foi contribuição intelectual do jovem Mário Henrique Simonsen, para o PAEG.
A política econômica do primeiro governo militar foi muito além do receituário ortodoxo simplista. Do diagnóstico à implementação, os formuladores do PAEG deixaram claro ter convicção da importância de reformas institucionais, sem as quais não haveria estabilização monetária nem crescimento sustentável. Três áreas foram destacadas como os principais pontos de estrangulamentos institucionais: primeiro, a precária estrutura tributária; segundo, a inexistência de um mercado de capitais e o mercado de crédito subdesenvolvido; e, por último, as ineficiências provocadas pela economia fechada e as restrições ao comércio internacional. As bem estruturadas e modernizantes reformas institucionais implementadas pelo PAEG serviram de base para o período de rápido crescimento observado já a partir de 1968.
Infelizmente, concluída a estabilização, os governos militares retomaram a cartilha nacionaldesenvolvimentista, baseada na economia fechada e nas empresas estatais. Quando, na segunda metade da década de 1970, os desequilíbrios das contas externas e as pressões inflacionárias reapareceram, agora combinados com a correção monetária, instituída para tentar viabilizar o mercado de capitais com o resíduo inflacionário, estava montado o quadro para quase duas décadas de estagnação e de aceleração inflacionária.
DÉCADA DE 1970
Por Pedro S. Malan
O Brasil ingressou na década dos 70 em invejável situação macroeconômica. Ao encerrá-la, encontrava-se em situação insustentável, cuja superação demandaria pelo menos outra década. Este artigo discute os marcos essenciais desse impressionante movimento pendular.
O ano de 1970 encontrou o Brasil já no terceiro ano do que viria a ser o mais forte ciclo de expansão de sua economia no século XX. Em seis anos (1968-1973) o país cresceu a uma taxa média anual de mais de 10% em termos reais. O crescimento da indústria superou 13% ao ano e alcançou 15% (1968 e 1973). A inflação declinou de cerca de 25% para cerca de 15% ao final do período. O balanço de pagamentos foi superavitário em cada um desses seis anos e levou à simultânea acumulação de reservas internacionais (de U$200 milhões ao final de 1967 para U$6,4 bilhões em 1973) e de dívida externa (de U$5,3 para 12,6 bilhões). As importações de bens de capital e de insumos intermediários foram sempre superiores a 75% da pauta total, sem prejuízo à indústria instalada: a produção doméstica de bens de capital cresceu a uma média de cerca de 20% ao ano em termos reais no período.
Esse desempenho espantoso foi possível devido a conjunção inédita de fatores domésticos e internacionais. A expansão do volume de comércio global foi mais que o dobro da taxa de crescimento entre 1968 e 1973. As exportações globais em dólares cresceram a 18% ao ano; as brasileiras, 25%. (Vinham de base muito baixa: os U$1,7 bilhões de 1951, devidos à alta dos preços do café do início dos anos 50, somente foram superados em 1968). As importações cresceram 27% no período.
Foi igualmente fundamental a retomada gradual, a partir dos anos 60, dos fluxos internacionais de capitais privados, praticamente inexistentes desde a crise de 1929. O retorno à plena conversibilidade das principais moedas europeias (a partir de 1959) e do Yen (a partir de 1964) conferiu impulso aos fluxos de comércio como a seu financiamento; e também, em escala crescente, ao financiamento privado de déficits em conta corrente do balanço de pagamentos.
Ainda mais determinante foi o fato de esse contexto internacional favorável ter coincidido com importantes mudanças no “front” doméstico:
1.a) Avanços institucionais e legais introduzidos nos anos 60 nas áreas tributária, (instituição do imposto sobre valor agregado – ICM), da dívida pública (títulos do Tesouro), trabalhista (introdução do FGTS) e na legislação habitacional; e, não menos importante, no sistema financeiro (criação, em 1965, do Banco Central).
1.b) A recuperação da economia baseada na utilização de capacidade instalada gerada no ciclo de investimentos da era Kubitschek, que tivera utilização reduzida no conturbado período de 1962-1966.
1.c) A política econômica pós-1967, caracterizada por pragmatismo e aposta na aceleração do crescimento da produção doméstica e das exportações, ajudada pelo contexto interacional e por uma política de minidesvalorizações do câmbio (crawling peg ) a partir de 1968; o resultado foi uma expansão nominal do crédito ao setor privado superior a 40% na média do período 1969-1973, para uma inflação inferior a 20%.
O ano de 1973 foi um divisor de águas. Marcou o fracasso do arranjo monetário internacional acordado em Bretton-Woods em 1944 – o dollar-gold exchange system , ou sistema de taxas fixas – mas – ajustáveis”, ancoradas em uma relação fixa entre o dólar e o preço do ouro. Desde o início de 1973 ficou claro que o mercado teria que mudar para um sistema de taxas flexíveis entre as moedas relevantes, e que o ouro havia se transformado na relíquia bárbara a que se referiu Keynes. As consequências foram históricas, e o dólar se desvalorizou cerca de 30% em relação às principais moedas do mundo. Somou-se a esse quadro a quase quadruplicação dos preços internacionais do petróleo, decidida pela Organização dos Países Exportadores do Petróleo ao final do ano. Esses preços haviam permanecidos relativamente estáveis nos anos 50 e 60, subido ligeiramente com o “boom” da economia global no início dos anos 70; e encontravam-se em torno de U$3 no início de 1973. Como eram denominados em dólar, a desvalorização dessa moeda representava perdas para os exportadores do petróleo. A guerra do Yom Kippur em fins de 1973 e a decisão de elevar os preços via controle da oferta levaram o barril do petróleo a U$12 ao final do ano. O Brasil importava mais de 80% do consumo doméstico de petróleo; de cerca de 10% da pauta total de importações, o produto passou a representar, abruptamente, mais de 25%.
Haveria ainda um fato novo e de maior importância para países que, como o Brasil, procuravam diferir no tempo os inevitáveis custos do ajuste derivados do choque dos termos de troca e da resultante perda de renda real. A “reciclagem” dos superávits comerciais dos países exportadores de petróleo através dos grandes bancos internacionais privados permitiu a esses países, Brasil incluído, passar de uma fase de “growth led debt” (1968-1973) para fase de “debt led growth” (1974-1980). Nossa dívida externa saltou de U$12,6 bilhões em fins de 1973 para U$ 50 bilhões em 1979, dos quais U$34 bilhões constituídos por empréstimos em moeda, concedidos a taxas de juros flutuantes.
Durante o Governo Geisel (1974-1978), o recurso ao endividamento externo e a adoção de medidas de estímulo às substituições de importações, incluindo notadamente o Pro-Álcool, permitiram que a taxa média de crescimento da economia continuasse expressiva até o final da década: 8,2% em 1974 aos 6,8% de 1979, incluindo surpreendentes 10,3% em 1976. Entre 1974 e 1978 os preços internacionais do petróleo permanecerem praticamente constantes e, portanto, declinantes em termos reais dada a inflação global acelerada pelo primeiro choque. Alguns analistas consideraram satisfatório o ajustamento dos balanços de pagamentos.
No entanto, o déficit do balanço de pagamentos em conta corrente acumulado de 1974 a 1979 chegou a U$ 40 bilhões, financiados por ingressos via conta de capital praticamente da mesma magnitude. Sem perdas de reservas internacionais, mas com aumento do endividamento externo. Esse desequilíbrio expressava um nível de gastos (público e privado, em consumo e investimento) e distribuição de renda incompatíveis com o crescimento da economia com inflação sob controle. Tratava-se da recorrente armadilha macroeconômica brasileira – inflação e desequilíbrio do balanço de pagamentos como resposta a tentativas de aumentar a demanda, na expectativa de pronta resposta da oferta doméstica. Dois dramáticos choques externos foram mortais para a aposta no ajuste via crescimento com endividamento externo “transitório”: a drástica elevação dos juros americanos, decidida pelo Fed em 1979; e o segundo choque dos preços do petróleo, que os levou para mais de U$30 por barril em fins de 1979.
O Brasil entraria nos anos 80 com desequilíbrios, externo e interno, insustentáveis. Expressos, o primeiro, por déficits potenciais no balanço de pagamentos não mais financiáveis através de ingressos via conta de capitais, além de uma dívida externa impagável nos termos (prazos e taxas de juros flutuantes) contratados. O segundo, por uma taxa anual de inflação que evoluíra de menos de 20% no início dos 70 para cerca de 40% em meados da década; e que, ao final de 1979, caminhava para três dígitos, como de fato chegou em Ano em que a década, que começara tão auspiciosamente, terminou em situação insustentável. Mas essa é outra história.
DÉCADA DE 1980
Por Mário Mesquita
Os anos 1980 marcaram uma dupla transição para a economia e sociedade brasileira. Sob o ponto de vista político-institucional, a década marcou a transição do regime autoritário para a democracia, cujos símbolos maiores foram a assembleia constituinte eleita em 1986 e seu produto, a Constituição de 1988. Infelizmente, sob o ângulo econômico a década marcou também uma inflexão negativa da taxa de crescimento brasileira. Foi, também, um período marcado por fortes e recorrentes intervenções (altamente discricionárias) do estado na economia, nada menos que quatro planos heterodoxos, com congelamento mandatório de preços, e alterações também voluntaristas e unilaterais das regras que regiam a remuneração dos investimentos. Houve um forte aumento da instabilidade nas equipes econômicas, ainda que, especialmente na segunda metade da década, muitas das políticas, de corte fortemente heterodoxo, fossem similares.
Do ponto de vista de orientação geral da política econômica, a década tem um divisor de águas claro em 1985. A política econômica do governo Figueiredo, depois do fracasso da tentativa de fuit en avant de 1979-80, voltou-se quase que exclusivamente para o ajuste externo, em especial após a eclosão da crise da dívida latino-americana em 1982 – cuja gestação, cabe assinalar, ocorreu na década anterior, quando governos da região, inclusive o nosso, apostaram em uma estratégia de crescimento com endividamento externo que aumentou em muito a vulnerabilidade a um possível aperto monetário nos EUA, o que acabou ocorrendo. Sob o ponto de vista do reequilíbrio externo, a política foi exitosa, o déficit em conta corrente saiu de 5,4% para um superávit de 0,1% do PIB entre 1980 e 1984, ainda que ao custo de uma recessão, com taxas de crescimento anuais médias de -0,3% entre 1981 e 1984, ante uma média de 6,5% no quadriênio anterior.
Adicionalmente, as medidas de ajuste cambial, notadamente a maxidesvalorização de fevereiro de 1983, em ambiente de indexação intensa, contribuiu para aumentar a inflação anual da faixa de 100% para a de 200% (mais especificamente, 99,3% em 1980 a 215,3% em 1984).
Na segunda metade da década, já sob o regime civil, a prioridade voltou-se para o combate à inflação. Mas tratava-se de um combate à inflação de corte puramente heterodoxo, com seguidas tentativas de desindexação da economia sem grande apoio das políticas de demanda, fiscal e monetária, seja por questão de viés de diagnóstico ou de falta de suporte político – políticas de demanda contracionistas eram, e seguem sendo, tabu para certas correntes de economistas que tinham grande influência na época. O resultado é conhecido, aumento da volatilidade e do nível da inflação, crescente dificuldade no financiamento da dívida pública e a moratória da dívida externa de 1987.
O crescimento médio da economia retrocedeu para 2,9% (1980-89), ante 8,8% na década anterior, um declínio liderado pelo setor industrial. A queda da produtividade, seja em termos absolutos ou relativos, frente ao comportamento da mesma em economias na fronteira tecnológica, como os EUA, foi provavelmente consequência do aumento das barreiras comerciais, crescimento do peso das empresas estatais, e favorecimento à substituição de importações no segmento de bens de capital (com produtos mais caros e menos eficientes do que os importados), que caracterizou a política de industrialização forçada dos anos setenta.
Sem resolver o problema da dívida externa, muito menos controlar a inflação, e com uma forte desaceleração do crescimento, a década de 1980 foi mesmo, do ponto de vista econômico, uma década perdida – em contraste com o grande avanço das liberdades democráticas. Mas, cabe reconhecer, assim como as raízes da abertura e transição política remontam ao renascimento da oposição civil a partir das eleições de 1974, a deterioração da performance da economia vivida nos anos 1980 teve em parte origem nos erros estratégicos e táticos da gestão econômica da década anterior.
DÉCADA DE 1990
Por Edmar Bacha
Turbulência e transformação. Dois termos que sintetizam a evolução da economia brasileira na década de 1990. Ela se abriu com as mais altas taxas de inflação da história brasileira. Era a antecipação do congelamento de preços que se esperava com a posse de Fernando Collor na presidência em março de 1990.
O choque foi maior do que o esperado. O Plano Collor incluiu um inédito confisco da riqueza financeira dos brasileiros, na visão canhestra de que um tiro de canhão desse porte daria cabo da hiperinflação. Seguiu-se uma queda temporária da inflação, acompanhada da mais profunda recessão até então experimentada pelo país. O congelamento de preços e salários pouco durou e as chamadas torneirinhas monetárias logo tiveram que ser abertas, devolvendo aos brasileiros o dinheiro que lhes havia sido subtraído. Houve uma retomada na economia, mas também o retorno de uma virulenta inflação. No entremeio, o governo Collor introduziu duas importantes novidades na condução da economia brasileira: privatização das empresas estatais e abertura às importações.
Acusado da montagem de um amplo sistema de corrupção, para não ser destituído Collor renunciou à presidência no final de 1992. Substituiu-o seu vice-presidente, Itamar Franco, que em sete meses trocou por três vezes o ministro da fazenda, aparentemente incapaz de encontrar uma maneira de lidar com uma inflação descontrolada. Mas, num golpe de mestre, em maio de 1993 convocou Fernando Henrique Cardoso, até então seu ministro das relações exteriores, para o ministério da fazenda. Este trouxe para o ministério e o banco central economistas que, na PUC-Rio, vinham há anos estudando formas de lidar com a superinflação brasileira. Alguns deles haviam participado do Plano Cruzado em 1986. O Plano Real foi estruturado e uma bem-sucedida reforma monetária introduzida em julho de Depois de quinze anos da mais alta inflação acumulada da história mundial em tempos de paz, o Brasil conquistou a estabilidade de preços e uma nova era se abriu para o país.
Na esteira do sucesso do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente da república no final de 1994 e reeleito em 1998. Seus oito anos na presidência foram um período de profundas transformações no país: estabilização de preços, retomada do crescimento, renegociação da dívida externa, saneamento do sistema bancário, redefinição do papel do Estado na economia, lei de responsabilidade fiscal, autonomia operacional do Banco Central, recuperação do poder de compra dos salários, ampliação da escolaridade, fortalecimento do sistema de saúde, introdução dos programas de transferência condicionada de renda.
Também foram anos de extraordinária turbulência na interação dos mercados financeiros internacionais com os países emergentes. Após uma expansão desmesurada da entrada de capitais estrangeiros nesses países, as consequências negativas do endividamento externo excessivo se manifestaram de forma sucessiva: crise mexicana em 1995, crise do sudeste asiático em 1997, crise russa em 1998.
O Brasil foi atingindo por essas turbulências num período em que a estabilização de preços ainda se consolidava. Sob a pressão de gastos públicos crescentes, apesar de aumento dos impostos o superávit primário das contas públicas se evaporou. O governo procurou então se ancorar numa taxa de câmbio apreciada e em juros elevados. Em consequência, piorou a balança comercial e aumentou o peso da dívida no déficit público.
O Brasil passou a ser a bola da vez do mercado financeiro internacional. Sob a pressão de uma fuga de capitais, o esquema de política econômica não conseguiu se sustentar. A economia estancou em 1998 e o câmbio administrado sucumbiu em janeiro de 1999.
O último ano da década foi de redefinição da política econômica. Em março de 1999, estabeleceram-se novas regras para as políticas cambial, monetária e fiscal: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário nas contas do governo. Após alguns meses de turbulência, a tempestade se amainou. O país estava então preparado para colher os frutos das auspiciosas transformações porque passou na turbulenta década de 1990.
DÉCADA DE 2000
Por Ilan Goldfajn
A década de 2000 foi um período rico em acontecimentos relevantes. No âmbito internacional, foi a década do boom de commodities e do forte crescimento global, com impactos no Brasil. Mas também foi a década da crise financeira internacional e da estagnação que se seguiu. Internamente, foi a década do sucesso do tripé macroeconômico e das reformas microeconômicas, mas terminou com uma mudança de direção que culminaria, na década seguinte, com o experimento fracassado da Nova Matriz Econômica.
Foi essa sequência de políticas econômicas domésticas, adotadas ao longo da década, que determinou o desempenho macroeconômico nesse período e também fundamentou o que se seguiu. A adoção do tripé macroeconômico e as reformas microeconômicas tornaram a economia mais sólida, o que permitiu que o crescimento global levasse ao crescimento acelerado entre 2003 e 2010 no Brasil. Já a partir de 2006, com a troca no comando da equipe econômica, houve mudança de direcionamento. Intervenção e expansionismo em excesso, sob o pretexto de se contrapor à desaceleração global, pesaram sobre a economia brasileira na década seguinte.
Na década de 2000 se consolidaram os três grandes pilares do famoso tripé macroeconômico:
(i) a implantação do sistema de metas para a inflação em 1999, que proporcionou um regime de política monetária que combinava flexibilidade e credibilidade, tendo como principal objetivo atingir metas para a inflação;
(ii) a consolidação fiscal, com o estabelecimento de metas de superávits primários e o acordo com os Estados, além da importante aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em maio de 2000, que promoveu o equilíbrio das contas públicas; e
(iii) o estabelecimento do regime de câmbio flutuante, que permitiu absorver choques ao longo da década.
Além do tripé macroeconômico, o esforço do governo entre 2003 e 2006 na implementação de reformas microeconômicas – como a nova lei de falência, a introdução do crédito consignado, as mudanças das regras para alienação fiduciária e o aperfeiçoamento do patrimônio de afetação e do valor incontroverso – contribuiu para o aumento da produtividade que se seguiu.
Em termos de resultados imediatos, a década foi um sucesso. As reformas microeconômicas aliadas ao cenário externo de forte crescimento global e elevação do preço das commodities entre 2003 e 2010 marcaram fortemente o desempenho da economia brasileira. O crescimento médio foi de 4,6% ao ano nessa década e foram obtidas importantes conquistas sociais – como a redução da desigualdade da renda do trabalho, com queda de 10% do índice de Gini, e a queda de 29% da pobreza.
Esse sucesso na redistribuição da renda e na queda da pobreza se deveu ao forte crescimento do salário real e do emprego na década. Mas se deveu também, à rede de proteção social, com a criação do Bolsa Família, em 2003, que colocou sob um mesmo arcabouço várias iniciativas que haviam sido testadas nos anos anteriores. O consequente crescimento de renda da população deu suporte à entrada no mercado de consumo de milhões de brasileiros.
A bonança internacional e as políticas adotadas no começo da década permitiram a reconquista da confiança dos investidores internacionais. O declínio da dívida bruta e da dívida líquida, como percentual do PIB, a acumulação de reservas internacionais e liquidação da dívida externa, e a queda sucessiva da avaliação do risco Brasil culminou com o recebimento do grau de investimento das agências de risco em 2008 – em abril da Standard & Poor’s e em maio da Fitch Ratings.
Mas nem tudo foi vento a favor. Houve choques negativos. Por exemplo, entre julho de 2001 e fevereiro de 2002, o Brasil enfrentou forte crise de fornecimento de energia que restringiu o crescimento da economia. A situação foi muito agravada em 2002 por uma também forte crise de confiança, resultante das eleições e das dúvidas sobre as intenções do novo governo.
Houve saída de capitais e consequente overshooting do câmbio. A inflação aumentou substancialmente e só voltou para a meta após anos. No final, o governo eleito conseguiu reverter os humores do mercado ao seguir a política econômica instalada pela administração anterior.
Se, por um lado, a década pode ser caracterizada por sucesso nos resultados imediatos, por outro, seu legado deixou a desejar. Ao sentir os efeitos da crise financeira internacional, o Brasil adotou uma política econômica anticíclica, tanto na esfera fiscal quanto na monetária e na creditícia. A perenização dessa política anticíclica nos anos que se seguiram é a marca inicial da adoção da Nova Matrix Econômica que desestruturou o tripé macroeconômico e resultou em desequilíbrios. Anos mais tarde, esses desequilíbrios nos levaram à maior recessão enfrentada pela economia brasileira.
DÉCADA DE 2010
Por Armínio Fraga Neto
Curioso que a década dos 2010 tenha começado com um ano de 7,5% de crescimento, festejado à época como um sinal de que o Brasil tinha encontrado um novo caminho para o desenvolvimento acelerado. Em meio ao otimismo, os brasileiros festejavam a década na qual o futuro parecia finalmente ter chegado: iniciamos o período imersos na preparação e na execução de duas festas de renome global, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Entre os projetos grandiosos e a esperança de um futuro melhor, no entanto, nos deparamos com um presente muito menos charmoso. Não demoraria até que os sinais dos erros acumulados ao longo de vários anos viessem à tona.
Passados apenas cinco anos, teve início a maior recessão de nossa história, agora próxima do fim, mas não antes de uma queda de 10% no PIB per capita. Como se não bastasse o fiasco econômico, esse período foi também caracterizado por uma série de episódios de corrupção em grande escala e pelo inevitável descrédito da maioria dos políticos e seus mais de trinta partidos. Que diabo aconteceu? Como chegamos a esse ponto? Tem cura?
Em primeiro lugar, é fundamental que se entenda a natureza dessas crises, suas origens e interseções. O principal sintoma é uma falência generalizada do Estado, hoje quebrado, corrupto, injusto e ineficaz. Quebrado pois está no cheque especial, se endividando de forma galopante, corrupto pois virou um balcão de negócios privados e partidários, injusto pois subsidia mais aos ricos do que aos pobres, e ineficaz pois na prática pouco faz para dar à maioria das pessoas reais oportunidades de progresso.
Ainda que seja tentador apontar uma ou outra medida em particular, a verdade é que não foram poucas as escolhas que divergiam do receituário adotado nos quinze anos anteriores. O conjunto da suposta nova obra era tão único, que ganhou um nome: a Nova Matriz Econômica.
Em consonância com este receituário, a taxa de juros alcançou o seu mínimo histórico no início da década, em uma decisão que desafiava os fundamentos econômicos vigentes e as deficiências estruturais de nosso país. As boas intenções também geraram severas distorções no mercado de crédito: em um espaço relativamente curto de tempo vimos uma forte expansão do estoque crédito no país, em larga medida mantido pela concessão de subsídios bilionários que não trouxeram os dividendos sociais prometidos à época.
Em câmera lenta, os primeiros sinais do desastre anunciado começaram a aparecer. Com um crescimento que cada vez mais se distanciava dos bons resultados iniciais, o governo fez uso de medidas intervencionistas em diversos segmentos da economia, cavando espaço para os “campeões nacionais” à custa da maioria dos brasileiros. No apagar das luzes dos estádios superfaturados, choramos mais lágrimas do que seríamos capazes de imaginar após o 7×1. A goleada sequer tinha começado, e se estenderia por muito mais do que noventa minutos. Somente depois de dois anos de uma crise sem precedentes, começamos a ver a luz no final do túnel.
Reconhecidas as origens dos desequilíbrios que nos trouxeram até aqui, cabe à sociedade definir quais serão os próximos passos. A agenda econômica requerida passa por temas que já foram pauta de outros carnavais. A verdade é que várias manchetes vistas nos jornais de hoje em muito podem lembrar os leitores daquelas que também marcaram outras fases difíceis da economia brasileira. Muitas delas fazem menção ao compromisso com o equilíbrio fiscal, que tanto foi relegado a segundo plano nos últimos anos. Alguns passos importantes já foram tomados, mas é preciso mais. A forte dependência de receitas extraordinárias e o elevado grau de rigidez dos gastos públicos são os desafios mais óbvios. Do lado da produtividade, além de atacarmos de frente as históricas deficiências de nossos sistemas de educação e saúde, será preciso avançar na ampla agenda microeconômica, que inclui além de passos importantes como aqueles dados recentemente no campo trabalhista e no âmbito do BNDES, a reforma tributária, a abertura da economia e a privatização da grande maioria das estatais.
A economia depende da política para fazer as correções de rumo necessárias no longo caminho que temos pela frente. No entanto, e apesar da aprovação recente de algumas reformas estruturais importantes, a política não tem sido capaz de encarar uma ampla reforma do Estado pois carece de credibilidade. Esta carência por sua vez parece de difícil cura no curto prazo, posto que a política se encontra amplamente carcomida pelo cupim da corrupção. As crises se auto alimentam, e exibem raízes comuns. A solução vai exigir esforços paralelos no campo político, econômico e moral, algo impensável até pouco tempo atrás, mas talvez agora alcançável através do próprio funcionamento das instituições em ambiente de liberdade de expressão e de imprensa.
DÉCADA DE 2020
Por Marcos Lisboa
Nem tudo é má notícia. É certo que tivemos uma severa recessão, a mais severa desde que temos dados disponíveis. Também é igualmente correto que o ambiente de negócios não colabora. A complexidade institucional desafia o empreendedor mais otimista. Das regras tributárias, passando pela legislação trabalhista, até as normas de comércio exterior, muitas das nossas instituições parecem desenhadas para reduzir o investimento privado e a geração de renda e de emprego. Além disso, precisamos fazer um ajuste fiscal de 300 bilhões de reais para evitar a paralisia do setor público ou que a dívida pública se torne insustentável. Para agravar o quadro, devem ser reformar as regras da previdência, ou as contas públicas vão se agravar ainda mais.
As condições podem não ser boas, mas não são novas. Há vinte anos sabemos que adiar a reforma da previdência iria resultar em graves problemas. O Brasil atravessa uma rápida transição demográfica. Nos anos 1960, as famílias tinham, em média, mais de 6 filhos por casal. As novas gerações têm, atualmente, menos de 1,8. Nos próximos 35 anos, a população idosa irá aumentar mais de 260%. A população que trabalha, por outro lado, irá se reduzir em 6%. Com as regras atuais da previdência, o gasto irá aumentar em 6 pontos do PIB, agravando o já severo desequilíbrio fiscal.
Há dez anos sabemos que as contas públicas do Rio de Janeiro são insustentáveis e o principal desequilíbrio ocorre na aposentadoria dos servidores. Desde o fim da década passada, alertou-se que a retomada da agenda nacional desenvolvimentista iria ser um tiro no pé, com queda da produtividade, desperdício de recursos públicos e o resultado seria mais a repetição do fracasso do Governo Geisel.
Todos esses problemas eram menosprezados até recentemente. A campanha presidencial de 2014 simplesmente os ignorou.
Pois bem, a boa nova é que os problemas estão sendo discutidos e o atual governo desistiu da criatividade que dominou a política econômica durante quase uma década, além de iniciar uma agenda de reformas, apesar das crises da política. O resultado foi desanuviar as perspectivas de insolvência fiscal que parecia inevitável há pouco mais de um ano. A curva de juros de mercado fechou, o que permitiu a queda da Selic e da inflação. A opção por uma política monetária convencional e que prima pela comunicação precisa resulta na retomada da atividade e do emprego um ano depois.
A reforma da previdência deixou de ser tabu. Muitos reconhecem os imensos fracassos das políticas de desenvolvimento resgatadas a partir de 2008, como a expansão do crédito subsidiado para empresas selecionadas ou as regras de conteúdo nacional. Foram aprovados a emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos públicos, a reforma trabalhista e a criação da TLP. Aos poucos, o debate público parece preferir à análise da evidência ao preconceito. A agenda de reformas no Congresso avança mesmo quando a coordenação política do governo se ausenta.
As mudanças são imensas no setor privado e na política. Empresários criticam os subsídios desmedidos e defendem a concorrência e a abertura comercial. Políticos são eleitos governadores prometendo ajustar as contas públicas. Começa a existir um debate sobre os problemas e os difíceis dilemas a serem enfrentados.
É verdade que ainda impressiona o montante do ajuste fiscal para evitar a paralisia do setor público nos próximos anos, além do risco de a dívida entrar em uma trajetória insustentável, um ajuste que vai necessitar da revisão de diversas normas legais nas políticas sociais e nos benefícios para diversos setores produtivos, como as desonerações e diversos subsídios. Mas, ao menos, os problemas estão mais claros e ocorre o debate sobre como enfrenta-los.
A norma constitucional conhecida como Regra de Ouro proíbe o país se endividar além das despesas de capital, que inclui os investimentos e a amortização da dívida. A boa regra veda dívida para pagar despesas correntes. O seu descumprimento implica crime de responsabilidade. Trata-se de uma regra que colabora com a sustentabilidade das contas públicas.
Em 2018, a necessidade de financiamento do setor público deverá ultrapassar em 184 bilhões de reais o permitido pela Regra de Ouro. Medidas excepcionais, como a devolução dos recursos emprestados ao BNDES, contribuirão para cobrir a diferença. Nos anos seguintes, entretanto, o cumprimento da Regra de Ouro somente será possível com diversas reformas que reduzam os gastos obrigatórios, caso contrário assistiremos a paralisia do setor público.
O país encontra os limites de uma longa tradição de criação de despesas obrigatórias que se revelam incompatível com o crescimento da renda. A boa notícia é que os problemas estão claros e o país começa a enfrenta-los.
Além disso, caso o país consiga fazer o ajuste fiscal, existe uma extensa agenda de reformas para retomar o crescimento econômico por muitos anos à frente. Essa agenda passa por reduzir a burocracia desnecessárias, simplificar o sistema tributário e melhorar o ambiente de negócios. A infraestrutura se beneficiaria do fortalecimento das agências reguladoras e da melhora da governança do setor público. Metas claras de desempenho e a avaliação independente da qualidade da política pública contribuiria para a melhor qualidade dos serviços oferecidos, sobretudo em educação, onde nossos resultados são inferiores aos obtidos nos demais países emergentes.
A evidência disponível indica que a progressiva implementação dessa agenda pode ter impactos imediatos e significativos sobre a produtividade e permitir uma agenda de desenvolvimento econômico. Na década passada, reformas tímidas, como a introdução do consignado e a alienação fiduciária, permitiram o forte crescimento do crédito privado, que passou de 10% para 30% do PIB em poucos anos.
A agenda de reformas passa também pela melhora da qualidade da política pública. O Brasil gasta mais do que muitos países emergentes em várias políticas, como educação. Apesar disso, nossos resultados são piores nas comparações internacionais. Melhoras na gestão pública podem ter impactos significativos sobre a eficácia e eficiência do gasto público.
Não se trata, porém, de agenda fácil, afinal nossas distorções não decorrem de acidentes. Grupos de interesse e empresas ineficientes se beneficiam das muitas distorções e privilégios concedidos pelo poder público. Apesar das resistências, aos poucos avança a agenda republicana de tratar igualmente os iguais, com a uniformização das regras tributárias, a abertura comercial e a melhora da gestão da política pública.
Quem sabe consigamos realizá-las e, na próxima década, estejamos discutindo, apenas, os novos problemas de um país que, finalmente, comece a cumprir a sua promessa de desenvolvimento com inclusão social. Dessa vez, de forma sustentável.