WWF-Brasil*
O Brasil e o mundo vêm assistindo estarrecidos à tragédia humanitária e ambiental que mais uma vez assola o povo Yanomami. Assim como aconteceu nos estertores da ditadura militar, o território está novamente tomado por garimpeiros ilegais, financiados pelo crime organizado e estimulados pelas medidas tomadas pelo governo Bolsonaro, que fragilizou a fiscalização ambiental, desestruturou o sistema de atendimento à saúde e em mais de uma ocasião recebeu garimpeiros ilegais, prometendo legalizar a atividade e retirar qualquer tipo de obstáculo para que ela pudesse se expandir livremente. Como resultado, a área destruída pelo garimpo triplicou entre finais de 2018 e de 2022.
Embora a situação calamitosa já viesse sendo amplamente denunciada pelas organizações Yanomami e suas parceiras desde pelo menos 2020, é apenas agora, com a mudança no Governo Federal, que o tamanho da tragédia pode ser conhecido pela sociedade, dado que durante o regime Bolsonaro todo tipo de obstáculo foi criado para a entrada de jornalistas e organizações humanitárias – só os garimpeiros tinham acesso livre à área.
A ocupação do território pelo crime organizado deslocou famílias inteiras, que fugiam da violência. Algumas foram aliciadas para trabalhar para os invasores. Com isso, perderam seus roçados e, por consequência, suas fontes de alimento, dependendo da ajuda de outras famílias, que mal tinham para sua subsistência. Crianças e adultos mal nutridos ficaram mais vulneráveis a doenças, várias trazidas ou espalhadas pelos garimpeiros, como a malária.
O sistema de saúde entrou em colapso, seja pelo excesso de demanda, seja pela má gestão no Distrito Sanitário Indígena – há diversas denúncias de desvios no órgão, incluindo a venda de medicamentos para garimpeiros -, seja porque vários polos de atendimento simplesmente foram tomados pelos invasores.
O genocídio engendrado é tamanho que pela primeira vez, desde que se tem registros, o número de crianças com menos de 5 anos é inferior que o das faixas etárias maiores. Durante o governo Bolsonaro, pelo menos 570 crianças com menos de 5 anos morreram de doenças para as quais há tratamento.
Por isso, o WWF Brasil vem manifestar seu apoio às medidas adotadas pelo Governo Federal para combater o garimpo ilegal no território Yanomami. Foi publicado no Diário Oficial de ontem, 31/01, o Decreto Federal 11.405/23, que autoriza a adoção de diversas medidas emergenciais para o tratamento de saúde, fornecimento de alimento e água potável – muitas fontes de água estão completamente contaminadas pelo mercúrio lançado pelos garimpos – e estrangulamento da logística que viabiliza a manutenção de mais de 20 mil pessoas dentro do território, incluindo a possibilidade de derrubar aeronaves clandestinas que entrem na terra indígena.
O WWF-Brasil também parabeniza e se solidariza com outras organizações da sociedade civil, que estiveram junto aos Yanomami nos últimos quatro anos, ajudando a denunciar e a reverter os estragos causados pelo garimpo. Denúncias no Tribunal Penal Internacional e à Organização das Nações Unidas, feitas nos últimos anos, não teriam sido possíveis sem o trabalho dessas instituições.
A tentativa de genocídio dos Yanomami é certamente o episódio mais chocante da história recente do Brasil, mas os prejuízos causados pelo garimpo ilegal espalham-se por toda a Amazônia. No Pará, por exemplo, estudo realizado pelo LEpiMol (Laboratório de Epidemiologia Molecular) da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e o WWF-Brasil, mostrou alta taxa de concentração de mercúrio (Hg) no sangue de residentes de áreas urbanas e ribeirinhas da bacia do Baixo Tapajós, no Estado do Pará. No início de 2022, um dos principais destinos turísticos da região – Alter do Chão – viu suas cristalinas águas ficarem sujas e barrentas por conta da lama despejada por garimpeiros quilômetros abaixo, no rio Tapajós.
Rio acima, o povo Munduruku também sofre com as chagas do garimpo. Estudo realizado pela Fiocruz e WWF-Brasil mostra que a contaminação por mercúrio chega a 90% dos indígenas Munduruku que vivem em aldeias à margem dos rios. Resgatar a dignidade e os meios de vida dos demais povos afetados pelo garimpo ilegal é urgente para não chegarmos ao nível de impacto visto no território Yanomami.
Estancar o garimpo ilegal é urgente e esperamos que outras medidas sejam adotadas pelas autoridades competentes, incluindo o Judiciário, para atacar as raízes do problema: o comércio legalizado de ouro com origem ilegal. Duas medidas, pelo menos, são fundamentais: obrigar que as transações sejam registradas por notas fiscais eletrônicas – como acontece quando vamos comprar um pão na padaria, mas inexplicavelmente não quando se trata da venda de ouro – e revogar o princípio da boa fé do comprador estabelecido em legislação de 2003, o qual dispensa os compradores de verificarem a origem do ouro que estão adquirindo.
O tempo está correndo e o Brasil precisa acelerar para acabar com essa tragédia!
Texto publicado originalmente no portal WWF Brasil.