Realista, a esquerda prefere negociar a marcar posição na Câmara
Coisa rara, a esquerda em geral e o PT em particular imbuíram-se de realismo na atual disputa pela presidência da Câmara. Outras raridades cercam esse que é o principal movimento na política nacional no momento. Ele dará o tom de estabilidade ou de instabilidade no Congresso daqui em diante e norteará o início das articulações dos grupos postulantes à sucessão de Jair Bolsonaro, muito embora os acertos de agora no Parlamento não valham para a presidencial de 2022.
É a primeira vez desde a redemocratização que a esquerda não apresenta candidatura ao comando da Câmara. O PSOL ainda insiste, mas está sendo convencido a desistir sob o argumento de que é hora de deixar a adolescência e entrar da idade adulta, abandonando veleidades de caráter quixotesco.
Isso porque também é a primeira vez que esse campo, sendo como diz um petista, “irritantemente minoritário”, é tão decisivo para a definição de vitória ou derrota dos grupos em disputa. Ambos, um mais outro menos identificado com Bolsonaro, residentes no espectro direito (do centro ao extremo) da cena política.
Dada essa equivalência no terreno da doutrina, prevalece na esquerda o entendimento de que não se pode perder a oportunidade de conquistar espaço no andamento dos trabalhos legislativos. Vale dizer, lugar na mesa diretora, influência na pauta de votações e participação relevante nas comissões permanentes e especiais da Casa.
Nada disso se consegue com candidaturas destinadas só a marcar posição, pois o gesto se esgota no dia da eleição. Aqui pesa também a avaliação de que o resultado sairá no primeiro turno, não havendo uma segunda chance para negociar compromissos e posições. A opção preferencial pelo pragmatismo, no entanto, não significa que haja unidade entre as legendas marcadamente de oposição. Muitíssimo ao contrário. Hoje prepondera a divisão interna nos partidos, com cada ala procurando vencer a guerra da comunicação de acordo com o respectivo interesse. Há apoios significativos tanto a Arthur Lira, do PP, apoiado por Bolsonaro, quanto ao oponente respaldado pelo atual presidente, Rodrigo Maia.
Embora a imposição de uma derrota a Bolsonaro seja uma variável do jogo e muito usada para inibir publicamente os apoios a Lira, a esse argumento se contrapõe o seguinte raciocínio: seja quem for o eleito, não terá condições de atuar em consonância absoluta com os interesses do Planalto, pois não teria o respaldo do conjunto dos parlamentares hoje convencidos das vantagens da autonomia experimentada nos últimos dois anos. Tanto para os ideológicos quanto para os fisiológicos.
Portanto, o essencial para a esquerda serão os compromissos firmados pelos antagonistas do centro à direita, a avaliação sobre o grau de firmeza de cada qual na palavra empenhada e a consciência de que na Câmara dissidência em eleição não dá camisa a ninguém.
Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718