Nunca se formou unanimidade tão contundente contra posições de magistrados supremos
Decisões do Supremo Tribunal Federal sobre temas políticos costumam gerar polêmicas. Não obstante devam ser cumpridas, habitualmente são amplamente discutidas. Sejam os debatedores os ditos especialistas ou não, sempre há os que veem razões substantivas nos votos vencidos e vencedores.
Exceção ocorreu agora, quando os cinco ministros que deram um escandaloso peteleco na Constituição para permitir reeleição vedada a presidentes do Legislativo ficaram falando sozinhos, reféns da evidência de que atuaram na jurisdição política.
Nunca, nem mesmo quando o então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, permitiu a preservação dos direitos políticos de Dilma Rousseff, ao arrepio das regras legais do impeachment, se formou unanimidade tão contundente contra posições de magistrados supremos.
O dano à confiabilidade jurídica do tribunal teria ficado por aí não fosse a reação captada nos bastidores da Corte por parte dos vencidos, acusando de traição ministros cujos votos consideravam certos em prol da urdidura anticonstitucional. Mais grave foi que daí decorreram ameaças de criar obstáculos ao exercício da presidência de Luiz Fux, um dos presumidos “traidores”.
Queira o bom senso que tais manifestações se esgotem no calor da derrota e não se configurem como atos de fato. Do contrário, as cordas vocais desses ministros ficarão muito enfraquecidas. Perdem força para, por exemplo, impor limites a atitudes antidemocráticas como as que já foram cometidas com o incentivo do presidente da República.
Perverter o texto constitucional, ainda mais quando se é dele o guardião, não deixa de ser um atentado à democracia. Assim como criar uma crise interna de óbvias e graves repercussões externas por motivo fútil não fará bem à já alquebrada reputação do colegiado.
Embalados pelo extremo desconforto de terem sido expostos e isolados na condução de um acerto político, ministros vencidos naquela votação se dizem, em privado, dispostos a atrapalhar o andamento das pautas propostas por Fux e recorrer a manobras regimentais a fim de impor empecilhos ao trabalho do atual presidente da Corte.
Esse tipo de embate faz parte da dinâmica do Poder Legislativo, mas no Judiciário recende a desvio de função. Ultrapassa o limite do dissenso, da divergência natural entre magistrados e entra no terreno da picuinha vingativa, cujo prejuízo institucional atinge o país justamente numa quadra em que o equilíbrio é não apenas essencial ante o desequilíbrio reinante no Executivo, como foi valor reivindicado pela população nas recentes eleições municipais.
Rumo oposto tomarão as excelências contrariadas se levarem adiante o plano de transformar o Supremo Tribunal Federal numa arena de vale-tudo em nome de vaidades e agendas pessoais que em nada interessam ao Brasil.
Esquerda em foco. Por incrível que possa parecer, diante da clareza do veto expresso na Constituição, causou surpresa aos parlamentares a manifestação do Supremo contrária à reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado. Com isso, o jogo em andamento foi zerado.
E ainda por mais incrível que possa parecer, a esquerda — do centro ao extremo —, a despeito de minoria, passa a ter um papel de destaque na Câmara. Com seus pouco mais de 130 votos num universo de 513, será o fiel entre os dois pratos da balança ocupados pela centro-direita liderada por Rodrigo Maia e por aquela direita identificada com o presidente Jair Bolsonaro.
Por enquanto as peças estão embaralhadas. Basta ver que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, lista seis nomes entre seus preferidos e o da Câmara inclui cinco candidatos no rol dos prediletos. Normal. Eleições no Congresso costumam ser decididas na última hora.
No Senado, o fator de definição será o MDB, dono da maior bancada. Já na Câmara, a esquerda será decisiva e, nesse campo, o PT é o mais cortejado, com seus 54 votos. Lula anda aconselhando o partido a não apresentar candidato. Negociar é a palavra de ordem, levando em conta as seguintes variáveis: imposição de derrota a Bolsonaro, influência na pauta de votações e se vale a pena fortalecer Rodrigo Maia e o projeto político do centro para 2022.
Essa é a agenda sobre a qual se desenvolvem as conversas na esquerda, cujos parlamentares estão cientes de que, quanto mais unidos estiverem, mais influentes serão sem descartar nada. Nem mesmo adesões a candidato governista.
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717