É hora de encarar as medidas necessárias para tornar o País mais justo e solidário
Diversas entidades de expressiva credibilidade firmaram e divulgaram recentemente um “pacto pela vida e pelo Brasil”. Entre as entidades signatárias figuram a Conferência Nacional dos Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O pacto versa sobre dez questões relevantes e tem o estilo de um apelo a toda a sociedade brasileira, especialmente aos governantes e políticos, aos agentes sanitários, econômicos e financeiros.
Mas também é dirigido a toda a população e às lideranças da sociedade civil, com o propósito de mobilizar todos os brasileiros no enfrentamento da pandemia de covid 19, na prevenção contra o contágio e na colaboração solidária para o socorro das pessoas mais golpeadas pelo alastramento da doença.
Princípios orientadores do pacto são a defesa da vida, a cidadania ativa, a dignidade humana, a solidariedade e o diálogo maduro e corresponsável na busca conjunta de soluções para o enfrentamento da pandemia. O pacto destaca vários pontos: a necessidade da união de esforços e a superação dos discursos negacionistas e personalistas desorientadores, a preservação e a proteção da vida e da saúde de todos, a oferta de soluções sanitárias emergenciais e o fortalecimento do sistema público de saúde e a necessidade de direcionar esforços e recursos econômicos para o enfrentamento dos efeitos da pandemia. Apela-se à solidariedade social na sociedade civil para a promoção de iniciativas pontuais e locais de socorro às populações mais vulneráveis. E também não faltou o apelo para que a vida política e a econômica sejam orientadas decididamente para a superação da profunda desigualdade social persistente em nosso país.
O pacto foi firmado no início de abril e conserva toda a sua atualidade. Por isso, na celebração do Dia da Pátria a Igreja Católica em todo o Brasil, por meio das organizações ligadas à CNBB, às dioceses e outras instituições, promoveu uma divulgação ampla do pacto, visando a potencializar os seus efeitos em favor da população. As preocupações manifestadas no pacto foram confirmadas nos meses sucessivos à sua publicação. A pandemia já atingiu mais de 4 milhões de pessoas e as vidas perdidas para o novo coronavírus foram cerca de 130 mil em todo o Brasil.
Confirmou-se também a previsão de que os mais atingidas seriam as pessoas social e economicamente mais vulneráveis. A pandemia deixou mais visível a profunda desigualdade ainda existente em nosso país, que também foi confrontado com a importância social do sistema público de proteção à saúde e, ao mesmo tempo, com a evidente fragilidade e a insuficiência desse sistema. A crise sanitária, além disso, deixou ainda mais fragilizados os brasileiros que não estão suficientemente inseridos na vida econômica e, bem depressa, os subempregados somaram-se aos desempregados. A situação só não foi pior até agora porque o auxílio emergencial do governo aliviou temporariamente o sofrimento desses brasileiros.
Muitos apelos contidos no pacto encontraram eco no coração dos brasileiros. Apesar da escassez de clareza e liderança do governo federal no enfrentamento da pandemia, o povo em geral aprendeu a levar bastante a sério os cuidados com a saúde, para evitar o contágio. E foram imensos os esforços da sociedade civil, somando com o poder púbico, para socorrer as vítimas. Alguém conseguirá dizer quanto significou a dedicação incansável dos profissionais da saúde às vítima da pandemia? Quem somará todas as ações solidárias promovidas em todo o País por inumeráveis organizações e pessoas físicas para socorrer os necessitados de ajuda concreta, até mesmo para se alimentarem ou suprirem as necessidades básicas da vida diária?
Atualmente, ao que tudo indica, começamos a respirar um pouco mais aliviados, diante da perspectiva de queda na transmissão do vírus e também de menor número de pessoas falecidas. E existe a fundada esperança da chegada de vacinas, que poderão cortar de vez o avanço da pandemia e reduzir o número de vítimas. Mas isso não será para breve, nem permite desconsiderar os riscos ainda existentes. Os cuidados e medidas preventivas precisam continuar. E a vacinação de toda a população necessitará de mais uma esforço concentrado de todos.
Ao lado disso, a vitória sobre a covid-19 não significará ainda a superação da pobreza e da vulnerabilidade social, presentes em todo o Brasil, como ficou claro durante estes meses de pandemia. O esforço solidário precisa continuar. E seria hora de encarar seriamente, em âmbito de governo e de sociedade civil, as medidas necessárias para tornar o Brasil um país efetivamente mais justo e solidário em suas estruturas econômicas e sociais.
Vem a propósito um pensamento repetido várias vezes nestas últimas semanas pelo papa Francisco: vencido o novo coronavírus, também é preciso enfrentar e vencer um outro vírus, ainda pior e mais virulento: o egoísmo e a indiferença diante do sofrimento do próximo. Seria um grande aprendizado deste tempo de crise e sofrimento!
*Cardeal-Arcebispo de São Paulo