Disputa pelo comando da bancada evangélica no Congresso expõe roteiro de divergências

Áudios e vídeos vazados fomentam o confronto protagonizado pelos deputados Cezinha de Madureira (PSDSP) e Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ)
Foto: Michael Jesus / Câmara dos Deputados
Foto: Michael Jesus / Câmara dos Deputados

Bruno Góes / O Globo

BRASÍLIA — De olho nas eleições deste ano, integrantes da bancada evangélica travam uma guerra para ocupar a presidência da Frente Parlamentar no Congresso, composta por 115 deputados e 13 senadores. Um racha na Assembleia de Deus, a maior denominação evangélica do Brasil, vem gerando uma disputa nas últimas semanas expostas em posts nas redes sociais e áudios vazados com trocas de acusações e ofensas.

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Os deputados Cezinha de Madureira (PSD-SP) e Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) são os protagonistas do embate. Em 2020, um acordo na bancada combinou um revezamento na presidência da Frente. Cezinha, ligado ao Ministério de Madureira, comandado pelo bispo Manoel Ferreira, ficaria com o comando em 2021, e Sóstenes, ligado ao pastor Silas Malafaia, da Vitória em Cristo, em 2022. Nos bastidores, Cezinha ensaia não cumprir o acordo e reivindicar mais um ano na presidência da Frente.

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Na quinta-feira, elevando a tensão de uma crise que se desenrola há mais de duas semanas, o deputado Abílio Santana (PL-BA), ligado a Cezinha, postou um vídeo questionando a validade do acordo, exposto em um vídeo obtido pelo GLOBO. Em 17 de dezembro de 2020, o então líder dos evangélicos na Casa, Silas Câmara (Republicanos-AM), pergunta se os integrantes da bancada aceitariam Cezinha como próximo presidente (2021) e Sóstenes no ano seguinte (2022). Abílio estava ausente, mas os presentes concordam com a ordem de sucessão, inclusive o próprio Cezinha. Em coro, os parlamentares dizem “amém”.

— Aí o Abílio quer dizer que a reunião é ilegal por que ele não estava? Não respondo a cachorro morto, a mau caráter. Cada vez que ele tenta justificar ou mentir, apanha mais — diz Malafaia, que não aceita ceder e quer Sóstenes no comando da Frente.

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Embora Cezinha mantenha o silêncio sobre o tema (interlocutores dizem que só vai se pronunciar em fevereiro), Abílio não é o primeiro integrante do Ministério de Madureira que sinaliza a quebra do acordo. Em culto evangélico para celebrar a posse do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, Samuel Ferreira, filho de Manoel Ferreira, defendeu a recondução de Cezinha em discurso na presença do presidente Jair Bolsonaro.

Irritado por ser chamado de “cachorro morto” por Malafaia, Abílio já havia gravado uma mensagem e espalhado na internet dizendo que os oponentes deveriam “lavar a boca com detergente” antes de falar do Ministério de Madureira. Na quinta-feira, aumentou o tom contra Malafaia.

— Um tal de “cínico malafeia” falando bobagem… Até me perguntaram: ‘E sobre o que falaram do senhor, que seria um cachorro morto, o que tem a dizer?’. Quero dizer o seguinte: para quem presta, na boca de quem não presta, não vale nada. Só isso — disse o parlamentar na gravação. Ao GLOBO, Abílio afirma que o mandato de presidente da Frente é bienal e que não tem conhecimento de que a sucessão foi apalavrada.

Registro em cartório

Em vídeo gravado aos seus eleitores, Sóstenes tratou do assunto. O deputado do DEM afirma ter um documento assinado, registrado em cartório, que trata da reunião em que foi discutida a alternância de poder na Frente. Enquanto seu líder Silas Malafaia estimula a guerra na bancada, Sóstenes tenta fazer um discurso apaziguador.

— Eu tenho certeza de que o deputado Cezinha vai cumprir o acordo porque ele, até aqui, tem sido um parlamentar de palavra — diz Sóstenes, completando ainda sua visão sobre a prioridade dos evangélicos esse ano. — O foco principal nosso vai ser lutar pela reeleição do máximo de colegas e o aumento da bancada para 2022, tanto na Câmara como no Senado. Quero fazer também um encontro, um congresso, em cada região do país sobre religião e política.

Parlamentares influentes na bancada evitaram dar opinião sobre o conflito. Antecessor de Cezinha, Silas Câmara alega que houve acordo para Sóstenes assumir, mas não quis dar detalhes.

— Eu não posso falar sobre isso porque eles estão se entendendo. Não falo com ambos desde o dia 21 de dezembro. Mas houve um acordo (antes) — disse Silas Câmara.

No fim do ano passado, os parlamentares do grupo tiveram outra crise. A bancada evangélica se dividiu quando o projeto que legaliza os jogos de azar entrou na pauta da Câmara e virou moeda de troca para concessão de benefício tributário a templos. Na ocasião, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), fez um acordo com parte da frente para discutir em plenário a legalização dos jogos. Em troca, houve a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constitutição (PEC) que isenta igrejas de pagar imposto em terreno alugado por denominações religiosas. Nesse debate, Malafaia e Cezinha passaram a se estranhar publicamente, quando o último foi acusado de fechar um acordo com o presidente da Casa sem consultar o conjunto da bancada evangélica.

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Agora, o mérito do projeto dos jogos deve voltar à pauta em fevereiro, desta vez com votação do texto. Reservadamente, Lira diz a aliados que terá votos a favor da proposta na bancada. Em dezembro, inclusive, contabilizou os integrantes do grupo que foram favoráveis à urgência da proposta — instrumento que acelera a tramitação do texto e libera o assunto para ir a plenário. Na Câmara, a maior parte do grupo diz publicamente que a legalização dos jogos é um projeto imoral e que corrói os valores da família.

Longa trajetória política

Maior denominação evangélica pentecostal do país, a Assembleia de Deus reúne mais de 12,3 milhões de fiéis, segundo dados do censo de 2010, e se divide em diferentes alas. Entre as mais relevantes estão o Ministério de Madureira, comandado pelo bispo e ex-deputado federal Manoel Ferreira; Vitória em Cristo, liderada pelo pastor Silas Malafaia; e Assembleia de Deus em Belém, presidida pelo pastor José Wellington Bezerra, líder das Assembleias de Deus no Brasil.

Em meio à disputa pelo voto evangélico, a denominação, que ao longo de sua história já fez acenos à direita e à esquerda, é parada obrigatória de candidatos que buscam espaço no segmento. Alinhada ao presidente Jair Bolsonaro desde as eleições de 2018, a Assembleia de Deus já concedeu, por exemplo, apoio público ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no passado e mais recentemente tem buscado novo diálogo com o PT.

Essa sinalização a Lula para 2022 parte do Ministério de Madureira, que já foi abrigou um dos principais protagonistas do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Em setembro do ano passado, o bispo Manoel Ferreira esteve com Lula no sítio do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano.

Em outro gesto de aproximação com a esquerda, o deputado federal Marcelo Freixo (PSB), pré-candidato ao governo do Rio, foi recebido por centenas de bispos e pastores em culto do ministério no Rio. Ao mesmo tempo, integra a ala da Assembleia de Deus o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, que esteve em motociatas e até mesmo no ato do 7 de setembro de Bolsonaro em São Paulo.

Entre 2019 e 2020, a disputa por poder na Assembleia de Deus esteve pacificada, mas recentemente o Ministério de Madureira e a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, de Malafaia, entraram em rota de colisão. Enquanto a primeira ala se tornou um caminho para a oposição a Bolsonaro buscar apoio, Malafaia é tido como um dos principais apoiadores do presidente no meio evangélico e tem demonstrado alinhamento com Bolsonaro publicamente nas redes sociais, inclusive em temas caros ao bolsonarismo e ligados à pandemia de Covid-19.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/disputa-pelo-comando-da-bancada-evangelica-no-congresso-expoe-roteiro-de-divergencias-1-25356785

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