Dioclécio Campos Júnior: O futuro que o Brasil merece

O maior desafio para o Brasil atual não é aumentar o PIB nem punir corruptos. Requer a ousadia do investimento prioritário na qualidade de vida das novas gerações. Se esta providência não for tomada, perpetua-se um círculo vicioso impossível de ser interrompido de outra forma. As evidências científicas sustentam esse argumento, deixando claro que a infância saudável é o único alicerce incorruptível da cidadania.
Foto: Divulgação/Prefeitura Municipal de Castro
Foto: Divulgação/Prefeitura Municipal de Castro

O maior desafio para o Brasil atual não é aumentar o PIB nem punir corruptos. Requer a ousadia do investimento prioritário na qualidade de vida das novas gerações. Se esta providência não for tomada, perpetua-se um círculo vicioso impossível de ser interrompido de outra forma. As evidências científicas sustentam esse argumento, deixando claro que a infância saudável é o único alicerce incorruptível da cidadania. Infelizmente, o que caracteriza nosso país é o desprezo para com esta faixa etária. Vem daí o atraso cultural de uma sociedade incapaz de trabalhar a riqueza do território privilegiado que possui. Generalizam-se, assim, as posturas políticas que ignoram os padrões indispensáveis à convivência social segura, produtiva. Prosperam crenças e fanatismos carentes dos princípios humanos a serem respeitados.

A reversão desse cenário desfavorável somente ocorrerá quando os atos governamentais passarem a ser norteados pela respectiva fundamentação científica. Caso contrário, seguirá prevalecendo a monarquia da iniquidade, que mantém dividida a população para sustentar o poder da classe dominante. Discursos vazios e encenações enganosas são estratégias difundidas para impedir os avanços legítimos a serem promovidos. Sucedem-se crises e tragédias em curtos intervalos históricos, interrompendo a metamorfose geradora da consciência humana, sem a qual não se pode falar em sociedade.
O crescimento e a diferenciação normais do cérebro são requisitos para a construção do chamado capital cognitivo, muito superior ao econômico. Integra capacidade de aprendizagem, potencial inovador e empreendedorismo, progressivamente adquiridos ao longo de todas as etapas d9 desenvolvimento físico e mental do indivíduo. É a educação. Para o alcance de tais premissas, a formação do ser humano supõe meio ambiente seguro e estimulante desde os primeiros momentos da vida intrauterina, quando sua estrutura cerebral começa a se organizar. Embrião, feto, criança e adolescente configuram etapas da trajetória evolutiva a ser protegida na sua integridade. Para tanto, os papeis insubstituíveis da maternidade e da paternidade merecem o completo reconhecimento das instâncias responsáveis pela administração do Estado.

Provas científicas pertinentes são irrefutáveis. Demonstram que o estresse da gestante contagia o feto, alterando as conexões dos seus neurônios; que as crianças amamentadas por mais tempo são as que alcançam alto índice do quociente de inteligência (QI), quando adolescentes; que omissões, negligências e abusos praticados contra o ser humano nos primeiros anos de vida repercutem na formação da sua personalidade, causando-lhe doenças psicossomáticas e reduzindo o seu desempenho cognitivo de forma irreversível; que a falta de espaços urbanos adequados e seguros, nos quais as crianças possam desfrutar do lazer interativo, brincando à vontade com familiares, colegas e amigos, é fator predisponente da redução de sua capacidade cognitiva; e que a pobreza material vivida durante a infância é agente estressor capaz de prejudicar a formação do cérebro, reduzindo o desenvolvimento mental e intelectual do indivíduo.

O pesquisador James Heckman, prêmio Nobel de economia, comprovou em seus estudos, com plena clareza, que a iniciativa de mais alto retorno econômico para uma sociedade é o investimento na qualidade de vida da infância. Os indicadores que utilizou, para a criteriosa avaliação feita ao longo de décadas, incluíram o nível de escolaridade alcançado, padrão do trabalho, salário conseguido e taxa de criminalidade na adolescência. O melhor desempenho foi o dos jovens que tiveram uma infância saudável.

Em média, cerca de 3 milhões de crianças nascem anualmente em nosso país. Devem ser entendidas como fonte humana incomparável para projeto de reconstrução da sociedade. Nossa nação está cada vez mais pobre no seu capital cognitivo. Precisa dar o salto inadiável para sair do atraso e investir no futuro. Exemplos não faltam. O mais recente é o dos países asiáticos e região do Pacífico, que optaram por medidas governamentais concebidas para a proteção das suas crianças. O objetivo de tais ações é assegurar o desenvolvimento integral do cérebro como pré-requisito do alto capital cognitivo indispensável à evolução econômica e social das futuras gerações. Os impactos favoráveis, gerados pela sábia iniciativa asiática, tornam-se evidentes nas observações realizadas. Em síntese, é a hora de abraçarmos essa grandiosa causa em favor do futuro que o Brasil merece.

* Dioclécio Campos Júnior é médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria e atual presidente do Global Pediatric Educartion Consortium

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