Fernanda Paixão*, Brasil de Fato
Este 25 de julho marca os 30 anos do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana, Caribenha e da Diáspora, data impulsionada pelo movimento de mulheres negras da região em sua luta pelos direitos humanos e o bem viver. No Brasil também se comemora o Dia Nacional de Tereza de Benguela.
A articulação entre as mulheres afrodescendentes da América Latina e do Caribe consiste em uma importante ferramenta de combate ao racismo estrutural e à opressão da branquitude e do sistema capitalista sobre as mulheres afro em toda a região. Em 1992, o primeiro encontro de mulheres da América Latina e do Caribe, na República Dominicana, teceu uma rede para dar visibilidade e denunciar o racismo não apenas na região mas em todo o mundo. Dele, surgiu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas.
“Celebramos as conquistas, e também seguimos em luta”, afirma a médica e ativista haitiana Daphnee Joseph, integrante do Comitê Democrático do Haiti. “Temos que superar o medo que nos freia e ser mais participativas, estar na política, conquistar espaços que nos negaram durante séculos e assumir cargos de tomada de decisões. Assim poderemos realizar ações concretas para melhorar nossas condições sociais e o acesso aos nossos direitos”, enfatiza.
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A população afrodescendente na América Latina e no Caribe representa cerca de 21% da região, sendo a mais afetada pelo racismo, a xenofobia e a discriminação relacionada a razões de gênero, orientação sexual, idioma, religião e origem social. Em todos esses aspectos, os efeitos são mais amplos para as mulheres afrodescendentes.
A herança da escravidão africana na região se reflete em números atuais. Segundo um estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), as mulheres afrodescendentes da região são as que recebem o salário médio mais baixo em relação pessoas não afro e inclusive em relação a homens afro, independente dos níveis educacionais e das horas trabalhadas.
Também são as que aparecem em primeiro lugar nos índices de pobreza em famílias monoparentais comandadas por mulheres afro, o dobro em relação às mulheres não afro no Brasil, Equador e Peru e o triplo no Uruguai.
Além disso, como a região foi a mais impactada pela pandemia de covid-19, as consequências econômicas e sociais foram mais severas para as mulheres afro. A pandemia representou um retrocesso de 18 anos na economia das mulheres e uma sobrecarga nas tarefas de cuidado não remuneradas. No Brasil, das mulheres que passaram a ter que cuidar de familiares nesse período, 54% eram afrodescendentes, além de contarem com menos ajuda externa para realizar essas tarefas.
Em termos de trabalho doméstico remunerado, a maior parte é realizado por mulheres afro em toda a região, representando 63% no caso do Brasil. A este aspecto se agrega a informalidade como característica também majoritária neste perfil.
Mulheres pretas no poder
A chegada de Francia Márquez à vice-presidência representou um novo capítulo na história da Colômbia mas também da região. A participação das mulheres afrodescendentes na política é escassa, resultado de uma série de obstáculos estruturais como a falta de acesso a saúde e educação. A subrepresentação de mulheres afro na política também se reflete em uma postergação de suas pautas mais urgentes.
Assim, a necessidade de iniciativas que promovam a participação de mulheres afro em espaços de tomada de decisões foi destaque no resultado da pesquisa lançada pelo Escritório Regional da ONU Mulheres para as Américas e o Caribe no marco deste 25 de julho.
“As mulheres afrodescendentes experimentam múltiplas formas de discriminação dada sua condição étnica, racial e de gênero”, afirmou a diretora regional da ONU Mulheres, María Noel Vaeza, a respeito da pesquisa. “Em paralelo, a ausência de políticas destinadas a atender as desigualdades estruturais que as mulheres afrodescendentes e suas comunidades enfrentam expõe o racismo, o sexismo e os estereótipos raciais que limitam os direitos humanos das mulheres afro.”
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Outros temas importantes levantados na pesquisa são o cumprimento pleno de seus direitos humanos e o acesso à saúde e à educação como forma também de que as necessidades das mulheres afro na região sejam levas em conta pelos poderes públicos.
Mobilização na região
Como uma data de grande relevância política, os movimentos de mulheres afro da região se mobilizam nesta segunda-feira (25) em toda a região. No Brasil, a Marcha das Mulheres Negras no Poder voltará a acontecer em Salvador após a pausa nos anos de pandemia. “O momento é de falar sobre as insurgências das mulheres negras, formar alianças e voltar às ruas depois de inúmeras atividades online”, afirma Suely Santos, da Rede de Mulheres Negras da Bahia. A concentração será partir das 14h na Praça da Piedade. A agenda completa deste e dos próximos dias pode ser conferida aqui.
Em São Paulo, a Marcha das Mulheres Negras realiza um ato no centro histórico da cidade. A concentração será às 17h30, na praça da República, seguida de ato político-cultural com participação do bloco afro Ilú Obá de Min e outras atividades. Outras atividades acontecem como parte do Julho das Pretas, mês de mobilizações e atividades organizado em todo o país. Veja aqui a programação completa, incluindo atividades neste 25 de julho.
Em Belém também ocorre a 7ª Marcha das Mulheres Negras, a partir das 17h. Partindo da escadinha da Estação das Docas, a edição deste ano traz como mote a luta por justiça ambiental e racial das mulheres negras amazônidas. A previsão é que o protesto siga até o Quilombo da República.
Na Argentina, um encontro com mulheres afro foi realizado na província de Córdoba, durante o último fim de semana, no marco do 25 de julho. Foi a 8ª Jornada da Mesa Afro Córdoba, intitulada “Fazedoras de Memória”, em referência ao resgate ancestral na construção da memória e da visibilidade de suas trajetórias e existências em um país onde o debate sobre racismo e afrodescendência é recente.
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No Equador, a data foi declarada como Dia da Mulher Afro-equatoriana, Negra e Afrodescendente pela Assembleia Nacional. A cerimônia, que aconteceu na semana passada, contou com a presença de cerca de 100 mulheres afro, que demandaram políticas públicas contra o racismo e a exploração e em defesa de seus territórios ancestrais.
O Chile atravessa o 25 de julho após a apresentação do texto de uma nova Constituição construída com paridade de gênero e com uma perspectiva antirracista e antipatriarcal. A contribuição das mulheres afrodescendentes no processo da constituinte define a necessidade de “consagrar materialmente os princípios de igualdade e não discriminação”, uma vez que as vivências das mulheres afro são particulares, exigindo uma perspectiva interseccional sobre as causas da opressão e seus efeitos. Essa abordagem visa diminuir a precarização da vida das mulheres radicalizadas e promover a participação na criação de propostas públicas.
O coletivo de Mulheres Afrodescendentes Luanda, que contribuiu com estas reflexões no processo da constituinte, convocou um diálogo de concentração para esta segunda-feira simbólica de celebração e luta na Praça “Vivas Nos Queremos”, praça renomeada no ano passado em ocasião desta mesma data, no centro de Santiago do Chile.
Edição: Nicolau Soares
*Texto publicado originalmente no Brasil de fato.