Augusto de Franco / Democracia Política e novo Reformismo
Democratas liberais não esperam que as mudanças sejam feitas de cima para baixo a partir de um líder escolhido para chefiar o governo. A democracia liberal não é propriamente sobre governo e sim sobre controlar o governo a partir da auto-organização da sociedade.
Por isso, o que nós – os democratas liberais – desejamos é um chefe de governo que assegure um ambiente democrático para que a sociedade, diretamente e por meio de seus representantes eleitos, introduza inovações políticas que, salvaguardada a democracia que temos, permita a continuidade do processo de democratização para que alcancemos as democracias que queremos.
Dito isto, fica claro que a opção dos democratas para chefiar o governo não pode ser manter ou recolocar na presidência um populista, seja um populista-autoritário de extrema-direita (como Bolsonaro), seja um neopopulista de esquerda (como Lula). Líderes populistas, pela sua alta gravitatem, são espécies de buracos negros que introduzem perturbações no campo social, engolindo as energias da sociedade.
Pela sua própria natureza, caudilhos e condutores de rebanhos populistas, desarmam continuamente a sociedade democrática para que ela não possa cumprir o seu papel de controlar o governo e de realizar mudanças moleculares que permitam a continuidade do processo de democratização. Sua busca constante por hegemonia se contrapõe aos legítimos desejos de autonomia de pessoas e comunidades.
Também fica claro, por razões semelhantes, que não se pode entregar a chefia do governo a qualquer líder antipolítico, que pretenda implantar cruzadas de limpeza (como Moro). Nenhuma cruzada de limpeza – seja étnica, ética, religiosa ou nacional – resultou em mais democracia. Pelo contrário, essas iniciativas, em geral moralistas e punitivistas, em qualquer lugar do mundo ou época da história em que foram tentadas, constituíram-se como antessalas de governos mais autoritários.
Via de regra toda antipolítica de limpeza – como o restauracionismo robespierriano – exige a terra arrasada para começar de novo, separando os bons dos maus e com isso sacrificando as liberdades em nome da pureza ou da segurança.
Afastada essas três tentações messiânicas, qualquer candidato que não seja populista ou punitivista – que se comprometa a manter a democracia realmente existente, sem tentar enfrear a continuidade do processo de democratização – é bem-vindo.
Não é necessário que tal candidato seja um democrata radical (quer dizer, liberal – no sentido democrático original do termo). Pode ser um democrata eleitoral ou liberal formal que não queira dar um golpe de Estado (rápido, com tanques nas ruas, ou lento, por erosão da democracia).
Pode ser qualquer um que não queira transformar nossa democracia eleitoral em uma autocracia eleitoral ou mesmo paralisar o processo de democratização para que nossa democracia eleitoral não chegue a ser uma democracia liberal.
Pode ser qualquer um que não queira usar seu cargo para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado por um partido ou por algum movimento para se delongar no governo.
Pode ser qualquer um que não queira, a partir do Estado, educar a sociedade.
O melhor é que não seja alguém muito carismático, que ocupe excessivamente a cena pública com seu protagonismo, sufocando os demais atores e suas iniciativas.
O ideal é que seja alguém discreto, que cumpra suas funções constitucionais e que seja como aquele juiz que pouco aparece numa partida. Governos existem para servir a sociedade e não para tomar o seu lugar.
Sendo assim, não estaríamos mal-servidos com (em ordem alfabética) Amoedo, Doria, Eduardo Jorge, Huck, Leite, Maia, Mandetta, Marina, Meirelles, Roberto Freire, Rossi, Tasso, Tebet – entre outros. Ou até, como última alternativa, com Ciro (ainda que isso possa significar ter que assinar um contrato temporário com o século 20).
*Consultor, palestrante e escritor