Se chegar ao Planalto, Alckmin não terá governabilidade, a não ser no mesmo perverso sentido que tiveram Lula e Dilma
“Um governo de qualidade requer alianças. Aqueles que dizem que aprovarão reformas sem o apoio da maioria dos partidos mentem.” Alckmin tem, ao lado do PSDB, oito partidos. A aliança com o centrão, firmada para garantir palanques regionais, capilaridade nos estados e tempo interminável no horário eleitoral, já é alvo da artilharia dos concorrentes, que a exibem como prova de um pecado ético mortal.
O tucano reage, pintando-a não como ferramenta de uma governabilidade de ruptura: a espada das reformas. De fato, não é nem uma coisa, nem a outra.
Se é pecado, quem não é pecador? O centrão ofereceu sustentação parlamentar a Lula e Dilma, durante 13 anos, até a “traição” do impeachment. Se Lula pudesse ser candidato, o centrão ficaria com ele. Haddad menciona a aliança de Alckmin com esgares situados na faixa que se estende do escárnio ao puro nojo, mas seu PT participa de coligações com partidos do centrão em diversos estados, inclusive alguns nos quais não ocupa a cabeça da chapa.
Ciro disputou o apoio do bloco com Alckmin. Mesmo a Rede, da imaculada Marina Silva, coligou-se, em vários estados, com partidos do que crisma como “velha política”. Atire a primeira pedra etc…
“Todo mundo disputou” o apoio do centrão, “eu ganhei”. O argumento verídico de Alckmin propicia duas leituras. A mais óbvia, que a degradação de nosso sistema político, expressa na fragmentação partidária, define um campo de regras do qual nenhum partido pode escapar. Por aí, Alckmin encontra seu álibi.
Contudo, há uma segunda leitura, menos óbvia: se “todo mundo disputou”, como efetivamente aconteceu, segue-se que o apoio do centrão carece de conteúdo doutrinário ou ideológico. E, portanto, não servirá a um hipotético presidente Alckmin como espada das reformas.
“Presidencialismo de coalizão” é o que tinha FHC. A cola que unia PSDB e PFL (atual DEM), núcleo de sua coalizão, era o compromisso com uma plataforma política. O “fisiologismo” obviamente existia, mas como elemento periférico. Lula inaugurou o “presidencialismo de cooptação” (apud FHC).
Na falta de um mínimo de unidade ideológica, a coalizão do PT com o MDB e o centrão baseava-se no impulso de colonização do aparelho de Estado e dependia da infusão perene de dinheiro sujo (mensalão, petrolão). Hoje, assim como seus concorrentes, Alckmin opera no universo do “presidencialismo de cooptação”.
A aliança do ex-governador paulista, que receberá 48% do total do fundo público de campanha, serve para lhe dar 44% dos minutos de TV. No baile da naftalina, só falta o MDB de Temer e Meirelles. Contudo, se chegar ao Planalto, Alckmin não terá governabilidade, a não ser no mesmo perverso sentido que tiveram Lula e Dilma.
E, certamente, não contará com base parlamentar sólida para avançar uma agenda de reformas. O centrão, sempre é bom lembrar, tem interesses, não convicções.
O pecado do PSDB não está no frio pragmatismo com que Alckmin montou seu edifício de campanha, mas lá atrás, nos longos anos de oposição e nos pactos firmados para obter o impeachment de Dilma. Ao longo dessa trajetória, os tucanos engajaram-se em incessantes conflitos internos e reduziram seu discurso a um primário antipetismo, fracassando em liderar um movimento de renovação política de centro-esquerda.
A “operação Luciano Huck”, de produção farsesca da novidade absoluta, e o recuo até a “realista” aliança eleitoral de Alckmin formam as imagens simétricas do fracasso. As candidaturas “antissistema” de Marina e Alvaro Dias são um de seus resultados –mas não o único.
De 2013 a 2016, Lula foi a face da velha ordem política, do “antigo regime” em declínio. O PSDB tanto fez que essa face é, agora, largamente identificada à aliança Alckmin/centrão. Há alguma surpresa no fato de que um quinto do eleitorado se deixa seduzir por um certo capitão baderneiro?
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.