Tanto o Brasil quanto a África do Sul se estruturavam com base na segregação e consequente exclusão, por renda ou por apartheid
Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
O Brasil África do Sul são parecidos. Pode-se dizer que o Atlântico é um espelho que mostra um lado similar ao outro no sistema social e econômico de apartheid, com a diferença que o sistema deles separava brancos de negros, o nosso separa ricos de pobres. As escolas sulafricanas eram segregadas conforme a raça, da mesma forma que as nossas são segregadas conforme a renda. O fim do apartheid fez aquele belo país africano ainda mais parecido com o nosso.
Tanto a sociedade de um lado quanto do outro do Atlântico se estruturavam com base na segregação e consequente exclusão: por renda, no Brasil, com nossa apartação; ou por raça, na África do Sul, com o apartheid. De um lado e outro, estas sociedades se caracterizavam pela concentração de renda e de benefícios sociais, pela violência e instabilidade.
Foi o líder branco De Klerk, falecido nesta quinta feira, que, depois de décadas como lider racista, conduziu o diálogo com os líderes negros, na direção de um pacto nacional para abolir o apartheid, dando direitos iguais a brancos e negros. Apesar de eleito pelos brancos para beneficiar aos brancos, percebeu que os interesses maiores do país exigiam quebrar o apartheid e construir uma nação de brancos, negros e mistos em uma só nação. Teve a ousadia e o estadismo de ir a Mandela, então preso por 27 anos, negociar com seus apoiadores racistas para dar liberdade ao grande líder negro, e juntos construírem uma transição que em poucos anos elegeu o primeiro presidente que representou a maioria e implantou um sistema social sem exclusão racial.
Com este pacto, os dois construíram um novo país e ganharam juntos o Nobel da Paz.
A sua morte nesta semana deveria ser um momento de reflexão entre as lideranças brasileiras, sobre a necessidade de fazermos nosso pacto pelo fim da apartação. Um pacto capaz de assegurar o fim da exclusão social no Brasil: incorporar todos no mínimo necessário à vida sem necessidades básicas. O caminho mais possível para esta mudança estrutural seria assegurar pobres e ricos em um mesmo sistema escolar, com a mesma qualidade independente da renda e do endereço da família. Bastaria a implantação de um Sistema Nacional Único Público de Educação de Base.
Mas continuamos sem um Mandela e sem um De Klerk e sem um pacto social capaz de abolir a apartação que caracteriza nossa sociedade.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/sem-mandela-nem-de-klerk-por-cristovam-buarque