Basta olhar ao redor para perceber o desastre social, econômico, institucional que os líderes deste país, no governo e na oposição, estão deixando como herança maldita para o presente e o futuro. Por ação, omissão ou incompetência, todos somos responsáveis, mas a culpa maior recai sobretudo nos governos liderados pela coalizão PTMDB entre 2003 e 2016. O PTMDB desprezou a gestão pública e entregou os órgãos estatais, Petrobras, fundos de pensão, agências reguladoras e outros, nas mãos de pessoas despreparadas, sem respeito ao mérito e à competência. Até mesmo na escolha do vice-presidente da República, houve desprezo aos interesses maiores do país. Para manter a coalizão, tudo se justificava, inclusive o loteamento do patrimônio estatal.
Ao aliar-se ao PMDB, o PT perdeu também o vigor transformador que caracterizava seu discurso; distanciou-se das promessas reformistas e caiu no assistencialismo com fins eleitoreiros. No lugar de iniciar as transformações na educação para, um dia, os filhos dos pobres estudarem em escolas com a mesma qualidade das dos filhos dos ricos, preferiu vender a ilusão de que o aumento de vagas nas universidades resolveria o triste estado das escolas públicas.
Sem bandeiras transformadoras, aprisionado ao eleitoralismo, caiu na banalização e na institucionalização da corrupção.Deixou-se levar pelo comportamento dos políticos no uso de propinas, como também na definição de prioridades ao construir estádios em vez de melhorar as escolas. As manobras visando ao poder pelo poder, sem bandeiras para o futuro, levou o PTMDB à promiscuidade entre os dois partidos e destes com os empresários. Assumiram que, na política, todos são iguais na falta de propósitos transformadores e na voracidade da corrupção, desmoralizando a política e afastando os jovens da militância.
A corrupção e a falta de gestão teriam sido evitadas se não fosse a surdez às críticas e o culto à personalidade de seus líderes. Não se perguntou por que militantes com solidez ideológica, eticamente respeitados, saíram do partido; nem ouviram os alertas vindos de aliados. Dividiu o mundo político entre nós e eles, colocando do lado “nós” velhos coronéis corruptos e do lado “eles” pessoas sérias, apenas porque os primeiros batiam palmas e os outros criticavam. Políticos com forte tradição de direita viravam esquerda se batessem palmas; esquerdistas críticos eram tidos como de direita, se não aplaudissem.
Esse comportamento levou ao sectarismo, transformando os partidos em seitas, intolerantes com os críticos. Direções e militantes passaram a desconfiar das bases democráticas, da coerência dos partidos, da seriedade dos meios de comunicação, da neutralidade dos juízes. O sectarismo impediu de ver as transformações que ocorrem no mundo, deixando a militância para trás na história. O partido se firmou como defensor de interesses conservadores das corporações e do presente, relegando os interesses nacionais e o longo prazo. Confundiu sindicato com povo, presente com futuro. Não foi capaz de perceber as amarras que impedem o país de avançar.
Para manter-se reacionário sem perder o discurso progressista de antes, optou por falsas narrativas, preferiu marqueteiros a filósofos. Sem substância ideológica, porque os filósofos se transformaram em seguidores, perderam o compromisso com a verdade, passaram a acreditar nas próprias mentiras: “o pré-sal salvaria o Brasil,” o Bolsa Família emanciparia os pobres, “os que divergissem seriam traidores”. Caiu na armadilha dos que acreditam nos dogmas que criou. Tanto que certamente se negará a debater esse artigo, uma vez que só os aliados merecem ser lidos.
A luta do PT foi um dos maiores saltos de toda a história política do Brasil. Seus desvios nos últimos anos foram uma traição à pátria, ao provocar desperdício da esperança e do potencial para realizá-la. O enfraquecimento do PT, pela desconfiança da população, pelo afastamento de muitos de seus militantes e pela prisão mental em que estão os que ainda lhe são fiéis, sem espírito crítico, talvez seja o maior dos erros de suas direções nos últimos anos, além do desastre provocado no rumo do país e do povo ao progresso.