Cristina Serra: O Chile de Isabel Allende

Chilenos escolheram se livrar da Constituição, que ainda era a de Pinochet.
Foto: Getty Images
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Chilenos escolheram se livrar da Constituição, que ainda era a de Pinochet

Em agosto de 1986, entrevistei a escritora chilena Isabel Allende, recém-convertida em sucesso editorial com seu livro de estreia, “A Casa dos Espíritos”. Afilhada do presidente Salvador Allende, morto no golpe do general Pinochet, em 1973, Isabel vivia com a família em Caracas (Venezuela).

Entre vários assuntos, Isabel falou sobre as organizações de mulheres na resistência à ditadura em seu país, antevendo que elas teriam atuação decisiva num Chile que não tardaria a se reencontrar com a democracia. “O povo chileno se pôs de pé”, afirmou. De fato, dois anos depois, um plebiscito disse não ao ditador, que deixou o poder em 1990.

O Chile passou a ser visto como exemplo de estabilidade política, alternando governos mais à esquerda ou à direita, sem que nenhum deles, contudo, conseguisse sanar a fratura da profunda desigualdade social. Até que, um ano atrás, o aumento das passagens de metrô levou o povo de volta às ruas, de onde não mais saiu.

O “estallido” incorporou reivindicações como saúde, educação e previdência públicas. E teve participação ativa de coletivos feministas, com a pauta de igualdade de gênero e fim da violência contra as mulheres. Uma das organizações tornou-se fenômeno mundial com o refrão: “El violador eres tú”.

As manifestações acabaram desaguando em outro plebiscito histórico, neste domingo (25). Os chilenos escolheram se livrar da atual Constituição, que, apesar de reformada, ainda era a de Pinochet. Também decidiram que a nova carta será escrita por uma assembleia constituinte a ser eleita no ano que vem, composta meio a meio por homens e mulheres, tendo ainda uma cota para indígenas mapuches. Será a primeira vez no mundo que uma assembleia paritária irá redigir uma Constituição.

Até que a nova carta seja aprovada, em 2022, há um longo percurso. Desde já, porém, o Chile aponta caminhos, reacende esperanças e inspira todos os que acreditam na democracia. Isabel Allende acertou na mosca.

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