Cristina Serra: No STF, o ‘legado’ de Toffoli

Diálogo entre Poderes pressupõe altivez, e a simples percepção de tutela militar é anomalia.
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF (21/02/2019)
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF (21/02/2019)

Diálogo entre Poderes pressupõe altivez, e a simples percepção de tutela militar é anomalia

O mandato do ministro Dias Toffoli na presidência do STF termina nos próximos dias deixando um enigma. Por que ele teve dois generais da reserva no cargo de “assessor especial” no seu gabinete? O primeiro foi Fernando Azevedo e Silva, por indicação de ninguém menos que o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, o general “influencer”.

Villas Bôas foi quem, na véspera do julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, no STF, em abril de 2018, fez ameaças numa rede social dizendo que o Exército repudiava a “impunidade” e que estava “atento às suas missões institucionais”. O STF rejeitou o pedido de Lula por 6 x 5, ele foi preso, bem, o resto você sabe.

Azevedo ficou dois meses no cargo e saiu para ser ministro da Defesa do candidato vencedor na disputa presidencial. Para a vaga, Toffoli acolheu outro general bolsonarista, Ajax Porto Pinheiro. Num vídeo, durante a campanha de 2018, em meio a raciocínios tortuosos, Pinheiro fala dos perigos do comunismo e diz que, se o PT voltasse ao poder, o Exército seria “a principal vítima”. Desconhece-se a contribuição do general ao Judiciário, ao custo mensal de R$ 12.940 para o contribuinte.

Indicado por Lula em 2009 para o STF, Toffoli fez um grande esforço para se distanciar da esquerda e mostrar-se confiável aos militares. Antes de assumir a presidência, num exercício de contorcionismo semântico e impropriedade histórica, chegou a dizer que preferia chamar o golpe de 1964, que instaurou 21 anos de ditadura no Brasil, de “movimento de 64”.

Há quem interprete a contratação dos generais como uma tentativa de manter canais abertos com as Forças Armadas em tempos turbulentos. Se foi esse o intuito, mostrou-se malogrado. O Supremo vive sob ataque, e o próprio Bolsonaro já quis dar um golpe e substituir os 11 ministros. Diálogo entre Poderes pressupõe altivez. Tutela militar —ou a simples percepção dela— é uma anomalia a ser evitada. Não é um legado do qual se orgulhar.

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