Cristina Serra: A despedida do decano

Celso de Mello é exemplo que deveria ser seguido por seus pares.
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Celso de Mello é exemplo que deveria ser seguido por seus pares

Celso de Mello chegou ao Supremo Tribunal Federal em agosto de 1989, quando a Constituição ainda nem completara um ano de promulgada. Seus 31 anos na corte se entrelaçam com dramas e tensões da nossa história contemporânea que, em anos mais recentes, têm levado a um desgastante confronto do tribunal com os outros dois Poderes.

O julgamento do mensalão quebrou a redoma que protegia o STF da refrega político-partidária e acentuou disputas entre os ministros, agravadas sobremaneira pela Lava Jato. O excelente livro “Os Onze”, de Felipe Recondo e Luiz Weber, mostra que, nestes tempos tumultuados, Celso de Mello atuou como vetor de alguma acomodação e equilíbrio sempre que procurado por pares menos experimentados em crises, como o primeiro relator da Lava Jato, Teori Zavascki, já morto.

Desde a ascensão do bolsonarismo, o decano também tem sido voz quase solitária na corte, na sua firmeza e altivez, a condenar as ameaças à Constituição, à democracia e ao Estado de Direito, repudiando em alto e bom som “intervenções castrenses” [ militares ] e práticas típicas do “pretorianismo”. Quando os ataques ao STF pareciam estar em ponto de ebulição, no primeiro semestre deste ano, Mello, em mensagem privada (vazada à imprensa), também advertiu para os riscos de “destruição da ordem democrática”, em processo semelhante ao que aconteceu na Alemanha nazista.

Conforme destacado no livro, Celso de Mello tem fama de ermitão. Não frequenta políticos, não vai a eventos sociais, não aceita convites para palestras, não visita o Palácio do Planalto. Envergando a toga, o ministro construiu reputação de credibilidade e independência, reforçada pelo decoro público exemplar e pela aversão aos holofotes.

Num Supremo conflagrado por interesses e conveniências nem sempre claros para a sociedade, é um exemplo de compostura que deveria ser seguido por todos os seus pares para o bem das instituições e da democracia no país.

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