Constituição de 1988 lançou um projeto de nação
A sociedade brasileira deu um passo enorme em seu processo civilizador ao incluir em sua Constituição direitos e garantias fundamentais que, até então, eram relevadas pelo Estado brasileiro.
Direitos e garantias fundamentais têm como objetivo proteger o cidadão da ação do Estado, além de assegurar o mínimo para que todas as pessoas que vivem neste imenso território, brasileiras e estrangeiras, tenham uma vida digna.
A Constituição de 1988 se inspirou claramente na Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), anunciada em 1948, fruto do trauma provocado pela Segunda Guerra Mundial. Aquele conflito decorreu da ascensão de movimentos e grupos políticos extremistas de direita, cujo ideário rejeitava os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrita durante a Revolução Francesa de 1789, a primeira tentativa de universalização dos direitos humanos.
O objetivo da Carta Magna brasileira foi conferir dignidade à vida humana e proteção dos indivíduos frente à atuação do Estado, que é obrigado a garantir e prezar por tais direitos e garantias.
Não é fácil a luta das sociedades contra o absolutismo de grupos políticos absolutistas e de Estados fundados em princípios autoritários.
O documento da ONU, do qual o Brasil é signatário, baseou-se no da Revolução Francesa. Somente 199 anos depois, a Ilha de Vera Cruz consolidou um marco legal – a Constituição de 1988 – para universalizou direitos e proteger o cidadão da sanha autoritária de grupos que, mesmo minoritários, decidem a seu bel prazer os destinos do país.
A Carta Magna, entre outras inovações, universalizou o acesso gratuito da população à saúde e à educação. Dois outros exemplos precisam ser mencionados, entre tantos outros: a instituição da aposentadoria rural e a criação de um benefício social – o BPC – que, recentemente, tem sido objeto de acalorado debate.
No primeiro caso, trataram os constituintes de 1988 de entender que o Brasil não poderia ignorar o fato de que, até a década de 1960, a maioria da população vivia no campo. Tendo sido a economia que cresceu de maneira mais rápida na história da humanidade entre as décadas de 1950 e 1970, o processo de urbanização se deu forma acelerada, gerando enorme desigualdade, entre outros problemas sociais de difícil solução. A aposentadoria rural, sem a exigência de contribuição dos beneficiários, foi o reconhecimento de que milhões de brasileiros que trabalhavam no campo não poderiam ser deixados ao relento.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi adotado para atender basicamente a dois públicos: as pessoas que, por deficiência física ou mental, não conseguem trabalhar, e aqueles que, aos 65 anos, vagam pelas cidades, principalmente, as capitais, sem emprego, sem vínculo familiar, sem registro de identidade, muitos, sem memória… A Civilização diz que esses cidadãos têm direito a receber um salário mínimo por mês.
O Brasil escolheu a democracia como regime político e a economia de mercado como regime econômico. Os dois sistemas de convivência humana, organização social, são imperfeitos por definição.
Em ambos, a mercadoria mais valiosa é a informação (usada aqui no seu conceito mais amplo, isto é, sem estar restrito a notícias jornalísticas).
Quem detém mais informação, mais formação, tende a ter vantagens tanto no regime democrático quanto na prosperidade econômico. A democracia e a economia de mercado são uma espécie de corrida – em tese, cabe ao Estado atuar para que todos os “corredores” partam da mesma posição.
À medida que alguns avancem a ponto de ficarem muito distantes dos “retardatários”, cabe ao Estado atuar para diminuir essa distância, em prol do “contrato social” que assegure a sobrevivência da democracia.
Nos regimes democráticos, quem tem poder econômico possui também mais poder políticos sobre os demais cidadãos. É por essa razão que democracia avançadas não permitem, por exemplo, a existência de oligopólios no setor produtivo e financeiro. Porque têm um poder desmedido que torna qualquer democracia num simulacro do que deveria ser.
As alternativas ao binômio democracia-economia de mercado são muito piores. Basicamente, porque negam a característica inerente a todo ser humano, que é o direito à liberdade.
O que tudo disso tem a ver com a previdência rural e o BPC? Ora, nos dois casos, trata-se do reconhecimento de que há falhas nas democracias e em suas respectivas economias de mercado com as quais precisamos lidar. Não é possível que alguém ainda veja mendigos nas ruas e pensem: “São vagabundos que não querem trabalhar”. Nota do redator: a maioria trabalhava em empresas que sucumbiram à sucessão de malfadados planos econômicos; ademais, se esses brasileiros ao menos soubessem da existência do BPC…
Aprendemos, no Brasil, a conviver com a desigualdade e achar que está tudo certo, afinal, o livre arbítrio deve prevalecer sobre todas as coisas. A Constituição diz que não deveríamos pensar assim. Gente de bem neste país, a maioria, se questiona: por que nossas escolas não ensinam às crianças, desde a tenra idade, os princípios civilizadores consagrados por nossa Carta Magna?
A Constituição de 1988 encerra um belo projeto de nação, da nação que não somos. Mas, essa ambição só terá a chance de se materializar quando dotarmos o Estado brasileiro de características que, hoje, ele não tem (este tema será tratado aqui de forma exaustiva daqui em diante). O Estado que temos, concentrador de renda e absolutamente desprovido de instrumentos para exercer seu papel, precisa ser reformulado imediatamente.