Cruzada do BC contra custo de crédito inclui FGTS e hipoteca
Dentro do esforço para reduzir as taxas de juros cobradas no crédito a pessoas físicas, o Banco Central (BC) quer autorizar o uso de investimentos em PGBL ou VGBL como garantia de empréstimos. O PGBL, assim como o VGBL, é uma forma de aplicação destinada a financiar a complementação da aposentadoria. Ao longo da vida laboral, o trabalhador faz depósitos mensais, muitas vezes acrescidos de contribuição, na mesma proporção, da empresa onde trabalha, e forma uma poupança para custear seu sustento após aposentar-se.
Para o BC, parte dos recursos depositados pode ser usada pelo beneficiário do PGBL ou do VGBL como garantia de um empréstimo que ele precise fazer num momento de dificuldade. No Brasil, um cidadão que tenha algum patrimônio (uma hipoteca ou um imóvel quitado) ou um recebível (saldo no FGTS ou um PGBL/VGBL) e que, não importa a razão, se endivide, enfrenta problema idêntico ao do sujeito que não possua nada para oferecer ao credor.
Nos dois casos, os indivíduos caem na espiral da cobrança de juros sobre juros que, ao fim, pode obrigar aquele que possui ativos a se desfazer da casa, o que, na maioria dos casos, poderia ser evitado. O mesmo raciocínio vale para o FGTS. Este fundo foi criado no início do regime militar como uma forma de poupança compulsória, para compensar o fato de os trabalhadores brasileiros terem perdido, naquela ocasião, o direito à estabilidade no emprego – um anacronismo que, inexplicavelmente, persiste no serviço público.
As empresas são obrigadas a depositar mensalmente 8% do salário do trabalhador no FGTS, o equivalente a um salário por ano. O dinheiro rende atualmente 3%, além da variação da TR, que neste momento está fixada pelo BC em zero. Só pode ser sacado em caso de demissão, acrescido de multa de 40% sobre o saldo, ou para financiar a compra da casa própria. Como se trata de um “funding” barato, o custo do crédito imobiliário feito com esses recursos costuma ser menor que os da praça.
Nos estertores do governo Dilma, o então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, propôs ao Congresso Nacional mudança na lei para permitir que as pessoas pudessem usar, até o limite de 10% do saldo do FGTS, como garantia de um empréstimo consignado. A medida foi aprovada, mas não saiu do papel. No ano passado, o governo fez nova regulamentação e, novamente, não funcionou. O BC investiga o porquê e, com ajuda do Ministério da Economia, vai reformular o mecanismo.
No caso do “home equity”, que é a possibilidade de um mutuário renegociar a hipoteca de seu imóvel com o banco para levantar um empréstimo, tirando proveito da valorização desse ativo no mercado, o Banco Central adotou medidas no ano passado para estimular essa forma de crédito, mas vai continuar atuando para tirar pedras do caminho porque o Brasil, como se sabe, não é para amadores.
Um exemplo: os bancos cobram, indistintamente, taxa de R$ 3 mil para avaliar os preços dos imóveis. Sem entender o valor dessa taxa, o BC questionou as instituições e elas disseram que autoridade deveria falar com os peritos. Estes foram procurados e deram a seguinte explicação: “A gente cobra R$ 300; os R$ 2.700 vão para os bancos”. Devolvida a indagação aos bancos, estes admitiram: “É margem”. Lucro, na linguagem mais acessível. Tradução: num segmento com poucos atores, os bancos usam seu poder de mercado para impor preços e elevar o lucro.
Os bancos não estão fazendo nada ilegalmente, o problema é da sociedade, que precisa lidar com ineficiências acumuladas ao longo da nossa história – a concentração bancária é uma delas. Novas formas de acesso a crédito, e a custos mais baixos, não são viáveis se essas ineficiências não forem identificadas e eliminadas.
No ano passado, o “home equity” fechou na nova modalidade contratos no total de R$ 500 milhões, um valor ainda muito modesto. O estoque de operações está em R$ 10 bilhões, o equivalente a 2% do volume total do crédito imobiliário. A taxa de juros nessa modalidade já caiu – de 17% ao ano no início de 2019 para 13,8% agora, o que faz o BC acreditar que essa forma de empréstimo vá expandir-se doravante a uma velocidade mais rápida.
Na agenda do BC para baratear o crédito imobiliário, constam a possibilidade de os financiamentos terem a inflação como indexador; o estímulo à securitização das carteiras – o “empacotamento” dos créditos pelo banco que concedeu os financiamentos e a sua venda para fundos de investimento, providência que tira esses ativos daquela instituição, que fica livre, portanto, para fazer empréstimos para novos clientes -; e a adoção de regras que facilitem a fundos comprar essas carteiras dos bancos.
Ao olhar de perto esse segmento, o BC identificou um obstáculo nada desprezível: as prefeituras cobram uma jabuticaba chamada ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis). Em São Paulo, o comprador paga alíquota de 3% do valor do imóvel. No caso de créditos imobiliários securitizados, o ITBI é pago duas vezes, o que inviabiliza a operação. A ideia da securitização é ampliar os recursos disponíveis para a compra da casa própria.
É também com esse intuito que o BC decidiu regulamentar, como antecipou ontem o Valor, a cobrança feita pelos bancos quando um cliente solicita a transferência de seu crédito para outra instituição, isto é, a portabilidade. Hoje, a instituição que recebe o crédito paga à que cedeu uma taxa chamada de Ressarcimento de Custo Operacional (RCO). Nos empréstimos mais altos, representa de 1,5% a 2% do total.
Os grandes bancos criaram, em regime de autorregulamentação, tabela fixando o valor do RCO em operações entre eles. Para os bancos de menor porte, estabeleceram uma taxa maior. O BC decidiu regular essas operações porque o RCO está encarecendo e dificultando a portabilidade de crédito, uma forma de estimular a concorrência no sistema bancário e reduzir os juros cobrados de famílias e empresas.
A regra a ser adotada pelo BC e à qual os bancos estarão submetidos permitirá a cobrança de taxa nas operações de portabilidade, mas os participantes das operações serão obrigados a cumprir duas determinações: o banco que ceder o crédito terá que explicitar o quanto está cobrando e a instituição que recebê-lo não poderá repassar esse custo ao devedor.
*Cristiano Romero é editor-executivo