O segredo de Meirelles sempre foi montar boas equipes
Um dos maiores talentos do ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, tanto no setor privado quanto na vida pública, foi montar boas equipes. E, por isso, as coisas sempre deram certo. Meirelles foi o mais longevo e bem-sucedido, considerando-se o conjunto da obra, presidente do BC brasileiro – oito anos, durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). No comando da economia, tendo assumido o cargo em meio à mais longa recessão (2014-2016) da história do país, mudou, em pouco mais de dois anos, o rumo da economia – aqui, não se trata de opinião, mas de respeito à aritmética: o discurso, contundente, é dos números.
Meirelles foi chamado para assumir os dois postos públicos mais importantes da economia brasileira em momentos de crise severa. Em janeiro de 2003, chegou a Brasília com o país “em chamas”, à beira de um possível calote na dívida externa. Por causa da desconfiança dos investidores nos propósitos do recém eleito governo de esquerda, investidores tiraram bilhões de dólares do país, levando a cotação da moeda americana para algo em torno de R$ 4,00.
As consequências, como diria o barão de Itararé, sempre citado pelo ex-senador Marco Maciel, vieram depois: a inflação anual, medida pelo IPCA, disparou (para 12,5% em dezembro 2002 e 17% em abril de 2003); a dívida pública superou os 60% do Produto Interno Bruto (PIB); a economia mergulhou em mais uma recessão, a segunda em menos de quatro anos; a taxa básica de juros (Selic) foi a 25% ao ano em dezembro de 2002, impondo às autoridades dilema de difícil solução, provocado pela chamada “dominância fiscal” – elevar os juros (Selic) para conter a escalada inflacionária e, com isso, aceitar o aumento explosivo da dívida pública, uma vez que, grosso modo, essa dívida é atrelada à Selic, ou não subir os juros e, assim, deixar a inflação crescer para evitar a expansão do endividamento;
No BC, mesmo vindo de uma vitoriosa carreira como executivo do BankBoston (Fleet), Meirelles, eleito deputado pelo PSDB em Goiás em 2002, foi recebido com extrema desconfiança pelo mercado. O que se dizia na época era: “Meirelles foi nomeado por Lula porque este não conseguiu convencer ninguém, à altura do cargo, a assumir a função naquele momento”; “Meirelles não entende nada de economia”; “o PT vai derrubá-lo em menos de seis meses”.
De fato, antes de convidar Meirelles, Lula e Antonio Palocci fizeram sondagens para o Banco Central que não prosperaram. A razão era a falta de confiança daqueles interlocutores no compromisso do novo governo com o respeito aos contratos e à disciplina monetária e fiscal. É verdade que Meirelles não tinha formação macroeconômica, mas, daí a dizer que ele não entendia do assunto era um exagero, fruto de preconceito que o persegue desde sempre. Quanto ao PT, é fato que o partido tentou desestabilizá-lo, inclusive no auge do sucesso da gestão Lula na área econômica, mas o então presidente, sabedor da importância da estabilidade de preços para o sucesso de seu governo, manteve Meirelles no cargo até o último dia de seu mandato.
Subestimado, Meirelles atraiu para o BC economistas de sólida formação acadêmica, como Eduardo Loyo, Afonso Bevilaqua e Mário Mesquita, e de bem-sucedida experiência no mercado financeiro, como Rodrigo Azevedo, Mário Torós, Alexandre Schwartsman e Paulo Vieira da Cunha. A vida não foi nada fácil naqueles oito anos, mas, depois de enfrentar todo tipo de fritura política e a hostilidade de um Ministério da Fazenda dominado em mais de dois terços daquele período por economistas contrários ao que se fazia nas políticas monetária e cambial, o grupo entregou a inflação dentro do intervalo de variação da meta – depois de o IPCA ter ido a mais de 17% nos 12 meses até abril de 2003 -, a taxa Selic cadente e muito abaixo da encontrada e o PIB crescendo a um ritmo muito superior e com menor volatilidade (ver tabela).
Quando Meirelles assumiu o Ministério da Fazenda em maio de 2016, o fez novamente em meio a uma crise sem precedentes e em momento delicado da política nacional, uma vez que o segundo presidente, dos quatro eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar, sofria impeachment – Dilma Rousseff mostrou-se inepta para governar o Brasil, mas tanto a sua gestão abaixo da crítica quanto a maneira como foi cassada mostram que a democracia brasileira precisa ser fortalecida para impedir que a tirania tome lugar tanto em um caso como no outro.
Para comandar a economia, Meirelles escolheu, corretamente, economistas em sua maioria originários do setor público, como Eduardo Guardia, Mansueto Almeida, Marcelo Abi-Ramia e Marcos Mendes, conhecedores profundos das mazelas fiscais que resultaram na quebra do Estado brasileiro e na sabotagem do futuro da nação.
Os números dizem tudo: em maio de 2016, quando essa equipe assumiu suas funções em situação de emergência, o PIB encolhia 4,55% em 12 meses, a inflação estava em 9,32% e a taxa Selic, em 14,25% ano. Um mês atrás, o PIB estava em alta de 1,39%, a Selic no menor patamar da história (6,5% ao ano) e a inflação em 12 meses até novembro, em 4,05%, abaixo da meta.
Os resultados só não foram melhores porque a política não deixou, mas a virada que Henrique Meirelles produziu nos resultados dos cargos que assume fez Chico Mendez, jovem estrela do marketing político brasileiro, criar o mote “chama o Meirelles”, usado na recente campanha eleitoral.