Gestão Bolsonaro é caracterizada por contradições
Em Brasília, vistos de perto muitos fatos têm significado distinto ao que sugere o senso comum. Narrativas lineares costumam ser desmoralizadas pelas artimanhas dos atores políticos. Numa democracia, e a brasileira é uma das maiores do planeta, tem enorme vantagem na corrida quem sabe o que está acontecendo e quem, por ser bem informado e conhecer o perfil dos corredores, consegue antecipar com alguma acuidade os resultados.
Na capital federal de um Estado democrático, presume-se que o presidente seja o sujeito mais bem informado. A maioria das informações lhe chega por meio de fontes primárias – banqueiros, grandes empresários, caciques políticos, ministros relevantes (da Economia, da área militar, da Justiça, que controla a Polícia Federal), serviços de inteligência, chefes de Estado de outros países. Presidente desinformado é presidente fraco.
Não é à toa que, na outra face de democracias de massa como a americana e a brasileira – a economia de mercado -, deter informações que só chegam aos concorrentes mais tarde dá a alguns competidores vantagem extraordinária. Nesse caso, informações do mundo político são tão importantes quanto as do negócio propriamente dito. Empresário que não sabe bem o que acontece no centro do poder, especialmente numa democracia jovem como a da Ilha de Vera Cruz, onde a instabilidade é irritantemente periódica, é sério candidato a fracassar.
Gaste um tempinho para observar as personalidades de seu tempo. Feche os olhos e pense nos protagonistas. Sim, sua diligência vai lhe sugerir os personagens dominantes, se você for um observador da cena nacional. Pergunte, por exemplo, a Delfim Netto e a Armínio Fraga a que horas eles concluem a leitura dos principais jornais do país.
Em Brasília, sede de uma democracia representativa, observam-se atentamente os movimentos de dois tipos de político: os que detêm poder real, como o presidente da República, o ministro da Economia e os presidente da Câmara e do Supremo Tribunal Federal; e aqueles que têm expectativa de poder, caso, por exemplo, de quem governa o Estado de São Paulo, dono do segundo orçamento público do país e cuja economia responde sozinha por 33% de tudo o que este imenso país produz.
Afinal, depois de quase cinco meses de mandato, o que é o governo Bolsonaro? Para onde está levando esta nação de quase 210 milhões de habitantes, uma das maiores do planeta, dona da 9ª economia? Por que ninguém sabe responder a uma pergunta, em tese, tão básica?
A resposta não reside no fato de Bolsonaro representar a maior novidade eleitoral em 34 anos de Nova República. Ter chegado ao topo do poder, por meio de eleição direta, é uma supernovidade inclusive para Bolsonaro, que nos 28 anos anteriores de vida pública, exercidos na Câmara dos Deputados em sucessivos mandatos pelo Estado do Rio de Janeiro, foi pouco notado pela chamada opinião pública. Seu papel na política nacional foi no mínimo excêntrico.
O que torna difícil entender a gestão do presidente são as contradições que caracterizam sua ação política. As crises de seu governo não são provocadas pelo embate com a oposição. Esta parece estar adormecida, ainda perplexa com a ascensão de um político de ultradireita que nunca ofereceu risco à alternância de poder entre o PSDB e o PT desde 1994. Mas, no novo governo, disputas intestinas não são travadas apenas nos bastidores, mas ao ar livre, com o uso de retórica forte e, não raras vezes, idênticas às de torcedores fanáticos – e irracionais – de futebol.
Os eleitores “móveis”, aqueles que não se identificam necessariamente com um candidato, mas votam nele para derrotar um outro contendor ou evitar a eleição ou reeleição daquele em que já votaram e deram voto de confiança e sofreram decepção, elegeram Bolsonaro para tirar o PT do poder. Não deram bola à pregação ultraconservadora do atual presidente na seara dos costumes nem para o seu passado apagado na política. Apostaram principalmente na agenda liberal de seu superministro da Economia, Paulo Guedes, ignorando o fato, porém, de que o eleito não tem a menor convicção sobre essa agenda. Na primeira curva acentuada da trajetória de seu mandato – a reação dos caminhoneiros à alta do preço do óleo diesel -, Bolsonaro reagiu com populismo, justamente aquilo a que se opôs desde que decidiu disputar a Presidência da República.
Após novos ataques do escritor Olavo de Carvalho a integrantes do governo, o grau da insatisfação dos generais do núcleo do poder com aliados de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro tornou-se exponencial. Mas o presidente, publicamente, o presidente segue fingindo que está tudo certo. Os militares que procuram blindá-lo e protegê-lo de ruídos capazes de desestabilizar a democracia não entendem tamanha submissão a Olavo.
“O presidente se sente devedor do Olavo por ter chegado à Presidência”, disse uma fonte. Ele admite que os embates provocados pelo guru de Bolsonaro, muitas vezes ampliados pelos filhos do presidente, estão provocando desgaste desnecessário à imagem do governo e dificultando a relação com o Congresso. Há uma difícil e crucial reforma da Previdência para ser aprovada.
“(Olavo) age no sentido de acentuar as divergências nacionais”, disse o general Villas-Bôas há dois dias. “Mais uma vez, o senhor Olavo de Carvalho, a partir de seu vazio existencial, derrama seus ataques aos militares e às Forças Armadas demonstrando total falta de princípios básicos de educação, respeito e o mínimo de humildade e modéstia”, observou. “A escolha dos militares como alvo é compreensível por sua impotência diante da solidez dessas instituições e a incapacidade de compreender os valores e princípios que as sustentam.”
O presidente Jair Bolsonaro demonstra não ter consciência de que vive momento único em sua vida política. A lua de mel com os eleitores “móveis” caminha para o fim de maneira implacável, como o tempo.