Reformar Estado não é demonizar servidor público
No país das reformas que nunca são concluídas, a administrativa é inadiável. Na verdade, deveria ter sido feita antes mesmo da reforma previdenciária e, agora, deveria ser apreciada antes da reforma tributária, que atolou e cujo destino é o fracasso, uma vez que trata de interesses inconciliáveis da União com os demais entes da Federação, dos Estados mais ricos com os menos afortunados e do governo central (leia-se, o Fisco) com as empresas.
Sem que se reforme o Estado brasileiro, o gasto público continuará sendo alto e pouco efetivo. A carga tributária (em torno de 33% do PIB), uma das maiores dos países em desenvolvimento, terá que ser sempre elevada para bancar despesas crescentes – mesmo nesse patamar, a arrecadação não cobre desde 2014 nem sequer a despesa primária (conceito que não inclui o gasto com juros).
Sem reforma, os serviços públicos prestados à população, principalmente a mais pobre, serão sempre de baixa qualidade. A competitividade das empresas brasileiras face aos concorrentes internacionais estará sempre comprometida, o que é ruim para todos, porque isso gera menos riqueza, portanto, menos empregos, menos renda etc.
O Brasil tem um Estado caro e um serviço público de baixa qualidade. Isso torna irrefutável a necessidade de reforma. Tem algo errado e, sem demonização do funcionalismo público, a sociedade precisa acordar para o problema. Tome-se o caso da educação: apesar dos avanços ocorridos desde a promulgação da Constituição, em 1988, especialmente no que diz respeito à universalização do ensino básico, o gasto chegou a 6% do PIB, mas a qualidade não acompanhou.
O senador Antonio Anastasia (PSD-MG) criou, com a ajuda da colega Kátia Abreu (PP-TO) e do deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa (FPMRA). Sem alarde, o grupo está dialogando com todas as partes envolvidas no tema, para formular um conjunto de projetos de lei, além de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), destinados a reformar profundamente a forma como o Estado brasileiro funciona.
A frente, presidida pelo deputado Mitraud, apresentrará as propostas em setembro. A estratégia de separar os projetos por assunto, em vez de colocar todos num só, é realista. É possível que alguns aspectos das mudanças tenham amplo apoio dos parlamentares e outros, menos. Para evitar tumulto e corrida por pedidos de aposentadoria, fato recorrente na tramitação de propostas que alteram direitos individuais e coletivos, Anastasia, que é funcionário público licenciado (professor de direito da UFMG), informa que a reforma não mexerá nos direitos adquiridos de quem já está no serviço público.
Pretende dialogar com o ministro Paulo Guedes.
Por incrível que pareça, o país andou para trás na área administrativa. Anastasia lembra que, entre 1938 e 1985, o governo federal teve um órgão central – o Dasp – para gerir todas as carreiras do serviço público. Era uma espécie de RH do serviço público. No início da Nova República, o Dasp foi extinto e a Constituição de 1988 acabou submetendo todas as carreiras debaixo o Regime Jurídico Único. Criou-se uma anomalia, cujo maior prejudicado, claro, é o usuário de serviços públicos.
Esse regime instituiu uma aberração – a isonomia salarial entre as diferentes carreiras do serviço público. O objetivo era evitar que os salários de determinadas carreiras se tornassem muito mais altos que o de outras. Ora, além de não fazer sentido, a regra criou em Brasília uma espécie de corrida ao ouro. Como não havia mais o Dasp, os funcionários dos diferentes órgãos fortaleceram seus sindicatos e foram à luta, ano a ano, em busca de vencimentos mais e de outras vantagens.
A maluquice ensejou a seguinte situação: nas disputas judiciais, diante da ausência do Dasp, quem representa a União é um funcionário público do mesmo órgão cujos servidores estão em litígio por mais salário e benefícios. O incentivo não poderia ser pior, logo, é fácil entender por que o funcionalismo goza de vencimentos e vantagens incomparáveis aos da média dos trabalhadores do setor privado.
Reformas institucionais
Os livros de história nos contam que a sociedade brasileira demanda, desde sempre, a realização de reformas institucionais para modernizar o país e destravar o crescimento econômico. Nos momentos em que houve ruptura institucional – 1930, 1937, 1964 – ou transição pacífica de regime (1985), a necessidade de promover reformas foi o motivo condutor (o “leitmotiv”) das mudanças.
Em 1930, a República proclamada havia 41 anos era manca. A elite política de apenas dois Estados (São Paulo e Minas Gerais), amparada por oligarquias rurais dos segmentos de café e pecuária, comandava o país. A Ilha de Vera Cruz, tão rica em possibilidades, padecia de atraso injustificável.
Não tinha mesmo como ser diferente: a era republicana nasceu de um golpe militar, entre outras razões, porque os barões do café e proprietários rurais em geral não engoliram a decisão (tardia, muito tardia) do imperador Dom Pedro II, tomada um ano antes, de abolir a escravidão. Além de não aceitarem o fim da infâmia com a qual convivemos durante 400 anos – e que se tornou, por essa razão, uma das principais características de nossa sociedade -, os fazendeiros queriam ser indenizados por ter perdido “patrimônio” (os escravos).
Transcorridas quatro décadas, a política do café com leite viveu seu ocaso e Getulio Vargas assumiu o poder, em 1930, por meio de uma “revolução”. O terreno era minado porque São Paulo, o Estado mais rico e principal sustentáculo da República Velha, não se aquietaria com facilidade. Getulio chegou ao poder com a promessa de implantar uma série de reformas, mas sua preocupação era uma só: evitar a tomada do poder por São Paulo. Em 1932, os paulistas tentaram tomar o poder, não deu certo e, desde então, jamais um getulista conseguiu triunfar eleitoralmemte no Estado.
Em 1937, por meio de um golpe militar dentro do golpe, Getulio instaura a ditadura do Estado Novo. Em 1945, cai, mas, o general (Eurico Dutra) que lhe apoiou oito anos antes ganha a eleição presidencial. Getulio vence o pleito seguinte e, como em 1930, promete realizar reformas que modernizem o país. Acuado pela oposição e por setores das Forças Armadas, faz o oposto do que seria uma reforma modernizante – a institucionalização do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobras; na mesma época, havia apenas 25% das crianças nas escolas, mas reforma para lidar com esse problema ninguém fez.