Creomar de Souza: No limiar de uma primavera conservadora

Jair Bolsonaro é um fenômeno eleitoral e, para o bem ou para o mal, sua ascensão e competitividade estabelecem definitivamente um novo elemento no cenário político e eleitoral nacional, o voto conservador.
Foto: Agência Câmara
Foto: Agência Câmara

Jair Bolsonaro é um fenômeno eleitoral e, para o bem ou para o mal, sua ascensão e competitividade estabelecem definitivamente um novo elemento no cenário político e eleitoral nacional, o voto conservador. Não é possível dizer ainda se Bolsonaro será presidente da República, porém, é possível dizer que há um novo elemento no ambiente político nacional que se manifesta fora de uma legenda. A novidade consiste em um cidadão com convicções políticas de caráter conservador, com um viés religioso e com uma determinada percepção moral muito próxima ao evangelismo pentecostal, que há algum tempo cresce em vários cantos do país.

Porém, longe de tratar o conservadorismo político como um fenômeno novo no panorama político brasileiro, faz-se necessário estabelecer como ponto fundamental o fato de que a geração política que assumiu protagonismo com a redemocratização nunca foi conservadora de fato. Isso significa dizer que a Constituição de 1988, legado político deste grupo, trouxe em suas páginas um esforço de construção de garantias e direitos para uma sociedade que, naquele momento, ainda temia na memória os momentos mais difíceis do regime de exceção. Como tal, a Constituição Federal simbolizou a primazia e a hegemonia de uma forma de enxergar o Estado e a coisa pública. O resultado concreto em termos globais foi a monopolização do debate político em torno de uma percepção social democrata da realidade.

Isto quer dizer que, mesmo que o PT tenha sido muito bem-sucedido em transformar o PSDB em um partido de direita do ponto de vista narrativo, em realidade, o conservadorismo político permaneceu dormente como opção eleitoral e política a partir da redemocratização. Isso ocorreu, seja pela vinculação narrativa que se fazia de maneira automática ao regime autoritário, seja pela falta de nomes que pudessem ostentar essa bandeira de maneira eleitoralmente competitiva.

O fato é que o ano de 2018 trouxe a junção de dois elementos que permitiram o renascimento conservador. Em primeiro lugar, a confirmação de que uma parte considerável do eleitorado não possui memória alguma do regime autoritário. E em segundo lugar, o acirramento das tensões políticas a partir de 2013, sobremaneira, agravado pela crise econômica e de representação política. O desgaste das lideranças tradicionais e o próprio esfacelamento do conceito de política como algo positivo criaram o caldo de cultura necessário para a construção de uma candidatura presidencial competitiva por parte de Bolsonaro.

Deve-se levar em consideração que, mesmo não sendo um exemplo típico de retórica e oratória, construiu-se uma simbologia em torno de Bolsonaro. Muito mais porque grupamentos sociais, com destaque aos evangélicos pentecostais, se sentem injustiçados em termos de distribuição de poder do que pelo fato de o candidato ser um modelo perfeito de discurso conservador. Pode-se perceber no presidenciável o produto inacabado de um grupo político que vem, há algum tempo, buscando construir espaços de poder, sobretudo, com o objetivo de estabelecer resistência a determinados posicionamentos considerados por eles negativos.

E se a indignação em 2013 não tinha rosto, em 2018 ela acabou assumindo as feições do candidato do PSL. Nesse sentido, torna-se interessante ressaltar que parte das estruturas de ação das esquerdas foi captada e reutilizada pela campanha do deputado federal. E o que choca parte da intelectualidade é o fato de que uma eventual vitória de Bolsonaro e Mourão nas urnas é um atestado de fracasso de suas próprias convicções e apostas para a solução dos problemas do país, bem como da histórica ideia de que as esquerdas brasileiras são intérpretes monopolísticas dos anseios populares.

É importante, portanto, considerar que, independentemente de a plataforma conservadora ser vitoriosa ou não no pleito presidencial de 2018, esse posicionamento político tende a tornar-se cada vez mais importante nos próximos anos. O produto deste novo momento para o ambiente político brasileiro é, de um lado, o aceleramento da degradação da geração política de 1988 e, de outro, o amadurecimento das premissas intelectuais que darão tônus aos candidatos conservadores no curso do tempo.

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